Autora: Selene Franco Barreto

Algumas doenças ocupacionais físicas são fáceis de serem diagnosticadas e podem ser cuidadas com a indicação de um tratamento e medicação, como por exemplo, a lesão por esforço repetitivo (LER). No entanto, alguns transtornos psicossociais relacionados ao ambiente de trabalho são mais difíceis de serem identificados: é o caso da Síndrome de Burnout, recentemente incluída pela Organização Mundial da Saúde (OMS) na Classificação Internacional de Doenças (CID-11).

De acordo com uma pesquisa feita pela instituição, no ano de 2019 cerca de 20 mil brasileiros pediram afastamento médico devido a doenças mentais relacionadas ao trabalho. Segundo a OMS, o Brasil é o país com o maior número de pessoas ansiosas no mundo: 9,3% da população brasileira sofre de ansiedade. Esses dados chamam a atenção para a qualidade das relações dentro das empresas. Jornadas extenuantes, assédio moral e estresse crônico podem levar ao desenvolvimento do Burnout, que não deve ser entendido como uma doença, mas como um conjunto de sintomas que o caracterizam como uma síndrome causada por “[…] estresse crônico de trabalho que não foi administrado com sucesso”.

Ao ser incluída na CID-11, a síndrome deixa de ser um problema que diz respeito apenas ao trabalhador – seu estado psíquico e saúde mental – e passa a estar diretamente relacionada ao ambiente de trabalho e ao grau de responsabilidade que cada organização tem sobre seus funcionários. E abre caminho para que o tema seja discutido de maneira mais aberta e com profissionais capacitados para lidarem com a questão, permitindo que o diagnóstico seja dado sem que o empregado se sinta estigmatizado ou culpado por manifestar sinais de estresse relacionados à função que ocupa.

Os principais sinais de Burnout são fadiga física e mental, distanciamento do trabalho e redução de desempenho. Muitas vezes, a síndrome começa de forma silenciosa, mas com o tempo os sintomas podem evoluir para alterações de apetite, sensação de incapacidade, baixa autoestima, insegurança e depressão. As manifestações físicas do problema costumam ser palpitação, sudorese, distúrbios gastrointestinais, enxaqueca e até crises de asma.

Em 2020, com a pandemia da covid-19, uma das categorias profissionais mais afetadas pelo burnout foi a de trabalhadores da saúde. As jornadas de trabalho extensas somadas ao medo diante dos riscos ainda desconhecidos, às perdas, ao distanciamento de familiares impactaram diretamente cerca de 78% de médicos, enfermeiros e profissionais desse setor, segundo uma amostragem nacional realizada pelo site PEBMED no primeiro ano da pandemia.

O Burnout pode ser o gatilho para outro problema preocupante: o do uso abusivo de álcool e o uso nocivo de outras drogas (medicamentos ou substâncias ilícitas). Ao recorrer a algum tipo de estimulante para lidar com a carga de trabalho e de exigências, ou procurar alívio para a realidade sufocante, muitas pessoas se automedicam e estabelecem uma relação abusiva com medicamentos, com a bebida ou outras drogas. Mesmo que no início do contato com essas substâncias a sensação possa ser positiva, como se elas fossem uma alternativa para fugir do mal-estar existencial, da angústia e do esgotamento, a longo prazo, em alguns casos, o uso recorrente leva o indivíduo à dependência e a quadros críticos.

O uso abusivo de álcool é um dos mais sérios problemas de saúde pública no mundo. O alcoolismo é uma doença crônica e, de acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), cerca de 20% a 25% dos acidentes de trabalho são ocasionados por pessoas sob o efeito de álcool. Mesmo em pequenas quantidades, a bebida alcoólica pode prejudicar a qualidade e a segurança do trabalhador. Logo, um profissional diagnosticado com Síndrome de Burnout que recorre à bebida ou às drogas em busca de uma saída para sua angústia acaba duplamente prejudicado.
Uma empresa comprometida com o bem-estar integral de seus colaboradores deve estar atenta aosmenores sinais, não só para estar apta a oferecer prevenção e assistência ideal ao indivíduo, mas também para que não se exponha aos riscos de acidentes/incidentes de trabalho e à queda de produtividade e perda financeira. Programas de prevenção e esclarecimento a respeito de saúde comportamental e emocional podem fazer com que o funcionário detecte sinais de problemas e se sinta seguro para buscar ajuda antes que sintomas mais graves o levem a se afastar definitivamente.

Ao ser considerada fator ocupacional, a Síndrome de Burnout passou a ser equiparada ao acidente de trabalho e garante ao funcionário afastamento com concessão de benefício previdenciário. Mas é possível impedir que a situação chegue a esse ponto. Há muitas empresas e profissionais especializados que oferecem serviços visando a cuidar da saúde mental dos empregados, disponibilizando terapia on-line, com os Programas de Atenção ao Empregado e à Empresa (PAEE), produzindo relatórios diagnósticos sobre o ambiente de trabalho e ajudando a ligar o sinal de alerta antes que os prejuízos humanos ou financeiros se instaurem – a Evolução Consultoria, por exemplo, vem somando experiências tanto na atenção ao empregado como na prestação de serviços à empresas nessa área. De acordo com a OMS, para cada US$ 1 dólar investido em tratamento e prevenção, o retorno é de: US$ 9,13 de redução do uso nocivo do álcool; US$ 7,43 de redução de consumo do tabaco; US$ 5,00 por ampliar serviços baseados em evidência para tratamentos em ansiedade e depressão.

Um dos entraves para esse tipo de investimento é a falta de informação sobre o tema. Os dados estatísticos ainda são modestos e o mundo corporativo não tem o respaldo necessário para entender o tamanho do problema. A questão é mesmo complexa e pode envolver também fatores que fogem ao controle da empresa, como a vida pessoal do funcionário. Então, o que fazer para dar o primeiro passo na direção certa?

Apostar num clima organizacional mais saudável; elaborar planos de carreira que estimulem o crescimento pessoal no lugar da alta competitividade; investir em profissionais de RH que ofereçam acolhimento, escuta ativa e orientação e em programas de atenção e prevenção ao uso nocivo de álcool e outras drogas; incentivar a prática de esportes e propiciar a segurança psicológica dos trabalhadores é, a médio e longo prazo, garantir a saúde da própria empresa.

 

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