Colcha de Retalhos de A.A.:
Espaço de Acolhimento à Mulher Alcoólica

Por Jaira Freixiela Adamczyk

Alcoolismo é a doença da solidão, do aprisionamento emocional. A pessoa alcoólica não reconhece a evolução da doença, sendo a negação um dos principais mecanismos de defesa do paciente. Um dos grandes fatores responsáveis pelo não reconhecimento do alcoolismo como doença é o preconceito.

Preconceito associado a uma cultura de desigualdade social torna o alcoolismo ainda mais avassalador quando o relacionamos à condição do gênero feminino. Os padrões de comportamento do beber das mulheres sempre foram algo extremamente velado. Todas as vezes que pensávamos em uma mulher bebendo a imagem construída era a cena de uma festa, espaço glamoroso e repleto de mulheres lindas, superelegantes segurando belas taças. Hoje a imagem que fazemos é de mulheres empoderadas e despojadas dentro dos botecos segurando um copo de caipirinha e mesas repletas de cervejas ou em baladas com drinques à base de gin.

Os fatores culturais e sociais continuam exercendo uma forte influência sobre o padrão de beber e sobre a quantidade de bebidas alcoólicas ingeridas pelas mulheres. Esse é o grande paradoxo, as mulheres estão cada vez mais sendo estimuladas e incentivadas ao consumo de bebida alcoólica, em contrapartida estão cada vez mais vulneráveis ao julgamento de uma sociedade machista que passa a estigmatizar essas mulheres por quererem ser e agir como os homens.

Sabemos que mulheres que têm problemas com alcoolismo fazem parte de um grupo muito heterogêneo. Seus comportamentos também sofrem influências de diversos fatores demográficos como: idade, estado civil e etnia. Fatores de risco como: história de abusos físicos, emocionais e sexuais durante a infância e adolescência, depressão, transtorno de ansiedade, uso precoce de álcool e outras drogas, convívio com parceiros que bebem excessivamente, separações traumáticas, saída dos filhos de casa, menopausa, baixa de libido e principalmente a não aceitação do envelhecimento são alguns dos mais prevalentes.

O alcoolismo gera graves problemas emocionais na vida de um grande número de homens e mulheres. Porém, o estigma do alcoolismo se faz muito mais presente e devastador em mulheres. Para muitos é difícil imaginar uma mulher grávida alcoolizada ou uma mãe alcoolizada dirigindo em alta velocidade com os filhos dentro do carro.

Na maioria das vezes, as mulheres que sofrem da doença do alcoolismo procuram o profissional médico relatando estar sofrendo de ansiedade e depressão. É imensa a dificuldade da mulher em reconhecer-se como alcoólica e revelar suas dolorosas reservas e segredos.

Durante muitos anos o alcoolismo esteve identificado com a população masculina, gerando resultados que apontavam e ainda apontam para uma prevalência mínima de mulheres na busca de serviços de saúde especializados. O medo colabora para que as mulheres tenham um tratamento tardio comparado aos homens e uma baixa adesão ao tratamento. Precisamos pensar em dar cada vez mais visibilidade ao tratamento do alcoolismo para mulheres.

Alcoólicos Anônimos (A.A.) teve e continua tendo no mundo um papel fundamental no tratamento da doença do alcoolismo. Desde seus primórdios, Alcoólicos Anônimos vem estendendo sua mão a todas as pessoas que sofrem da doença do alcoolismo e queiram fazer algo a respeito de seu problema com a bebida.

Um Programa de Recuperação baseado em princípios, que contempla inclusão, pertencimento, respeito e acima de tudo amor ao próximo. O grande objetivo dos fundadores de Alcoólicos Anônimos sempre foi a construção de um espaço de acolhimento ao alcoólico sem nenhum requisito, a não ser o desejo de parar de beber, e com a garantia do direito de minoria dentro das salas de reuniões. Consolidando esse direito foram criadas reuniões de composições especiais. Dentre essas minorias surgiram as primeiras reuniões de composição feminina nos grupos de A.A.

Em 2012, numa reunião de composição feminina no Grupo Osasco, em São Paulo, enquanto algumas companheiras compartilhavam suas experiências de vida, outras companheiras começaram a costurar uma colcha de retalhos, que passou a ser a representação lúdica da dinâmica que aborda o alcoolismo em mulheres e suas múltiplas facetas.

Neste mesmo ano, na Convenção Nacional de A.A., na cidade de Cuiabá (MT), surge oficialmente o evento Colcha de Retalhos para o compartilhamento das experiências, forças e esperanças vivenciadas pelas mulheres alcoólicas, dando visibilidade ao alcoolismo feminino e atraindo quem precisa de ajuda.

O que começou como evento transformou-se em uma iniciativa permanente e atuante de mulheres alcoólicas para mulheres alcoólicas, a Colcha de Retalhos de Alcoólicos Anônimos. Das dificuldades da mulher alcoólica em ser abordada, em procurar espontaneamente por ajuda, em reconhecer a doença e em buscar um tratamento, nasce esse trabalho de acolhimento e de transmissão da mensagem de recuperação em A.A, que cresce ano a ano, contribuindo para a chegada de mais mulheres em Alcoólicos Anônimos.

Retalhos foram se tornando histórias de vidas. Histórias inspiradoras e transformadoras que foram se unindo por esse Brasil afora, formando uma grande e viva Colcha de Retalhos.

Relatos de muitas mulheres alcoólicas confirmam que no espaço oferecido pela Colcha de Retalhos, através das reuniões de composição feminina, elas puderam expressar seus sentimentos, suas dores e todas as formas de abusos que sofreram durante o período do uso compulsivo e obsessivo da bebida alcoólica.

Atualmente, são realizadas 62 reuniões semanais, no formato online e presencial, um salto de 41% comparando o período pré e pós-pandemia. Pela participação exclusiva de mulheres, a identificação possibilita a exposição de sua vida alcoólica, a vergonha do seu beber exagerado, a culpa de seus atos e consequências com mais fluidez, sem medo das críticas e dos julgamentos.

Como nos falou Bill W., um dos fundadores de Alcoólicos Anônimos: “Estamos a ponto de conhecer uma nova liberdade e uma nova felicidade. Não lamentaremos o passado nem nos recusaremos a enxergá-lo. Compreenderemos o significado da palavra serenidade e conheceremos a paz. Não importa até que ponto descemos, veremos como nossa experiência pode ajudar a outras pessoas. Aquele sentimento de inutilidade e de auto piedade irá desaparecer. Perderemos o interesse em coisas egoístas e passaremos a nos interessar pelos nossos semelhantes. Perceberemos, de repente, que Deus está fazendo por nós o que não conseguíamos fazer sozinhos.”

A Colcha de Retalhos de A.A. desenvolve ainda um belo trabalho de informação ao público por meio de suas redes sociais no Instagram, Facebook e Youtube, promovendo diversas temáticas com profissionais da área da saúde. Também disponibiliza canais de ajuda, pelo site www.colchaderetalhosdeaa.com.br ou pelo whatsapp (67) 99607-0770.

O evento Colcha de Retalhos, realizado a cada dois anos, reúne mulheres de diversos grupos do Brasil e do exterior. Já foram cinco edições que percorreram diversos estados do país, como Mato Grosso, Maceió, São Paulo e Paraná. O próximo será em 2025 na cidade de Recife, em Pernambuco.

Concordamos que houve um significativo avanço no ingresso de mulheres no programa de recuperação de Alcoólicos Anônimos, porém isso não significa que atingimos os nossos objetivos, muito ainda temos por fazer.

O crescimento dessa Colcha de Retalhos dependerá de todos nós: profissionais, membros de A.A. e seus familiares, enfim de todos que acreditam na importância de Alcoólicos Anônimos no mundo e reconhecem na Colcha de Retalhos de A.A. um espaço singular para todas as mulheres que desejam encontrar o caminho da recuperação da doença do alcoolismo.

A colcha continua sendo costurada, a porta estará sempre aberta para todas as pessoas que desejam saber mais sobre esse maravilhoso trabalho chamado Colcha de Retalhos de Alcoólicos Anônimos.


Jaira Freixiela Adamczyk

Psicóloga, Mestre em Tratamento e Prevenção à Dependência Química, Terapeuta de Família e Casal. Amiga de Alcoólicos Anônimos, foi presidente da JUNAAB – Junta de Serviços Gerais de Alcoólicos Anônimos do Brasil de 2014 a 2017.

E-mail: jairafreixiela@gmail.com

Instagram: @jairaadamczyk

WhatsApp: (48) 99104-2213

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