por Raphael Mestres e Raquel Constantino Nogueira

Receber uma ligação de pais preocupados com a dependência química de um filho é bastante comum na nossa realidade. E, nesses casos, a abordagem inicial faz toda a diferença.

Neste artigo, queremos compartilhar alguns princípios e estratégias que usamos e que poderão ser úteis para você, caso passe por esta situação.

Adiantamos que atender à demanda dos pais e marcar esse horário para o filho não é um caminho promissor. Mas, antes de entrarmos no assunto, queremos destacar que este texto se concentra em uma fase específica do Ciclo de Vida Familiar¹: famílias com filhos pequenos, adolescentes ou jovens adultos. Outras fases do ciclo vital e suas especificidades serão abordadas em textos futuros.

Quando o filho está com problemas com drogas, o primeiro impulso dos pais é querer que ele vá a um profissional, com a esperança de que um especialista consiga “resolver” o problema.

Porém, a ciência e a prática clínica mostram que o caminho mais eficaz começa, na verdade, com os próprios pais. Vamos entender por quê.

O Que Diz a Ciência Sobre a Terapia Familiar

Pesquisando o assunto, encontramos estudos revisados pelo National Institute on Drug Abuse (NIDA) apontando que a terapia familiar, em comparação com abordagens individuais isoladas, não apenas aumenta as chances de engajamento do paciente no tratamento, mas também previne outros problemas psicológicos que tendem a surgir em famílias impactadas pela dependência química.

Os artigos de Liddle (2010)² e Rowe (2012)³ mostram que abordagens familiares contribuem mais para redução de conflitos, fortalecimento da comunicação e maior estabilidade emocional entre os membros familiares.

Por Que Começar Pelos Pais?

O primeiro contato é crucial para ajustar as expectativas dos pais, que muitas vezes chegam em busca de soluções rápidas ou “fórmulas mágicas”. Às vezes, os pais parecem ter fantasias de que o profissional vai dizer para o filho deles parar de usar drogas e o filho vai se impactar com isso e efetivamente parar.

Os pais não consideram que o terapeuta individual trabalhará com as demandas que o filho vai trazer para ele e que isso, provavelmente, será frustrante para os pais. Portanto o trabalho inicial com os pais, além de sintonizar com as demandas deles, serve para analisar padrões geracionais, como a forma de lidar com conflitos, ansiedades ou dificuldades, e ajuda a situar a dependência química no contexto mais amplo do funcionamento familiar.

É importante que os pais saibam que a terapia familiar trabalha principalmente com as relações e que isso é fundamental para conseguirem o que querem — tratar o problema com drogas do filho. Isso significa que os pensamentos, emoções e comportamentos dos pais — a liderança do grupo familiar — precisam ser compreendidos em primeiro lugar.

Uma primeira sessão com os pais permite ao terapeuta observar o padrão relacional da família, muitas vezes moldado ao longo de gerações. A construção de um genograma trigeracional⁴, por exemplo, ajuda a identificar padrões de funcionamento familiar e amplia a perspectiva não só dos pais, mas de todos os envolvidos. Além disso, ilumina aspectos essenciais sobre a dinâmica familiar, dando ao terapeuta ferramentas valiosas para conduzir o processo terapêutico.

Essa abordagem é especialmente eficaz quando o dependente químico ainda depende financeiramente dos pais — direta ou indiretamente. Ela transforma os pais em agentes de mudança, com potencial para engajar o filho no tratamento por meio de transformações no ambiente familiar.

Como Conduzir a Conversa

É importante validar a intenção e a preocupação dos pais e oferecer uma explicação razoável do porquê não marcar esse primeiro horário para o filho e sim para eles. O profissional pode dizer algo como:

“Eu entendo sua preocupação e o desejo de ajudar seu filho. Na minha experiência, os melhores resultados acontecem quando começamos trabalhando com os pais primeiro. Isso nos permite compreender melhor o contexto familiar e traçar uma estratégia eficaz para envolver seu filho no tratamento. Podemos agendar uma primeira sessão com vocês?”.

Essa postura transmite empatia e profissionalismo, enquanto educa os pais sobre a importância do papel que desempenham no processo terapêutico.

Benefícios da Terapia Familiar

De forma bem objetiva, são três os principais benefícios do uso da terapia familiar no tratamento da dependência química:

  1. Engajamento do Dependente Químico: O envolvimento ativo dos pais aumenta as chances de adesão ao tratamento em comparação com abordagens individuais isoladas.
  2. Prevenção de Sintomas Familiares em nível geracional: Reduz o risco de problemas como ansiedade, depressão e burnout nos familiares, comuns nos casos de dependência química, além de ampliar o repertório emocional e relacional dos membros adultos, facilitando interações mais funcionais entre e com os membros mais jovens do sistema familiar.
  3. Melhoria na Dinâmica Familiar: Favorece uma comunicação mais aberta e a resolução de padrões disfuncionais que, comumente, são fatores de risco para recaídas.

Conclusão

Quando são os pais que ligam, a decisão de agendar a primeira sessão com eles (e não com o filho) é fundamentada na ciência e na experiência clínica. Essa estratégia não apenas aumenta a eficácia do tratamento, mas também respeita as expectativas dos pais e reforça seu papel como aliados no processo de recuperação do filho.

Como profissionais de saúde, nosso papel é orientar as famílias rumo às soluções mais eficazes — e a terapia familiar tem se mostrado um caminho comprovado e promissor.

Referências

1. Walsh, F. et al. (2016). Processos normativos da família: diversidade e Complexidade. Artmed. Porto Alegre, 375-398.Bowen, M. (1978). Family Therapy in Clinical Practice. Aronson. New York.

2. Liddle, H. A. (2010). Family-based therapies for adolescent alcohol and drug use: Research contributionsand future research needs. Addiction, 105(6), 915–931. https://doi.org/10.1111/j.1360-0443.2009.02894.x

3. Rowe, C. L. (2012). Family therapy for drug abuse: Review and updates 2003–2010. Journal of Marital andFamily Therapy, 38(1), 59–81. https://doi.org/10.1111/j.1752-0606.2011.00280.x

4. McGoldrick, M et al.(2012). Genogramas: avaliação e intervenção familiar. Artmed. Porto Alegre.

Raphael Mestres

CRP 08/23912 – Psicólogo, terapeuta familiar, mestre em dependência química pela USAL, associado ABEAD.

Raquel Constantino Nogueira

CRP 05/29379 – Educadora infantil. Psicóloga clínica formada pela PUC-Rio. Terapeuta de família, casal e individual sistêmica, pela Núcleo-Pesquisa. Atua há mais de 20 anos em programas de saúde mental e dependência química. Certificada em Educação na Primeira infância e Sala de aula em disciplina positiva. Positive Teaching Couple and Parenting The Positive Discipline Way, certified by Positive Discipline Association. Terapeuta EMDR. Membro Titular da ATFRJ e ABRATEF. Vice presidente da ABEAD (gestão 2023-2025).

Instagram: @raquelcnogueira

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