Por Alessandra Mendes Calixto¹ e Ronaldo Rodrigues de Oliveira²
O mês de setembro é dedicado a debates e reflexões sobre a prevenção do suicídio, um tema tabu, cercado de preconceito e, por muitas vezes, relacionado a estados de humor como a depressão. Contudo, também é importante debatermos a alta prevalência dessa condição em populações específicas, como a de pessoas portadoras de dependências químicas e comportamentais.
Segundo os dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 800 mil pessoas se suicidam a cada ano, ou seja, um caso a cada 40 segundos. Esse comportamento, é a quarta principal causa de morte entre pessoas de 15 a 29 anos de idade (2023). Anualmente, mais 11 mil pessoas morrem por suicídio no Brasil. Segundo um levantamento da epidemiologia do suicídio no cenário nacional (BALDAÇARA, et al., 2022), foram registrados 112.230 óbitos por suicídio entre os anos de 2010 a 2019.
Quando falamos da população específica de portadores de dependências, o tema torna-se, ainda, mais complexo. Afinal, além de fatores individuais, o comportamento suicida nessa população envolve um circuitaria de eventos relacionados ao fato da intoxicação, da impulsividade, dos efeitos da violação da abstinência e comorbidades psiquiátricas. Todas essas condições aumentam o risco e a vulnerabilidade emocional levando o indivíduo a um comportamento disfuncional, cujo fim pode ser a sua morte.
Diversos estudos tem apresentado, ao longo dos últimos anos, uma crescente taxa de suicídio entre as pessoas portadoras de dependências químicas e comportamentais (ARMOON, et al., 2021). Estudos como o de Baldessarini e Tondo (2020), apontam o uso de substâncias como a condição psiquiátrica de muito alto risco para o suicídio. O uso de múltiplas substâncias é um fator agravante para esse comportamento, onde a cada 10 casos, 4 envolvem o uso de álcool e outras drogas. Os resultados de um estudo de 2013, de Tormey, Srinivasan e Moore, além do consumo de álcool antes da tentativa em 57% dos casos, aparecem a maconha em 11% e a cocaína em 7,5% das ocorrências.
As dependências em geral, em períodos de ativa, instalam um ciclo de desconforto ou uma espécie de alívio de outras condições mentais, tais como: depressão, transtorno bipolar, transtornos ligados à ansiedade e outros, como a esquizofrenia. Infelizmente, na maioria das vezes, essas doenças não são tratadas (ou tratadas inadequadamente), aumentando consideravelmente que o desfecho seja por suicídio ou comportamentos auto lesivos. Algumas condições que tornam a pessoa dependente mais vulnerável são: isolamento; falta de planos para o futuro; a sensação de que seria melhor estar morto do que vivo; tentativa prévia de suicídio; sofrimento psíquico e dificuldades em lidar com problemas; viver sozinho ou rede de apoio frágil; histórico de suicídio na família; relacionamentos afetivos disfuncionais; forte sensação de abandono; perdas econômicas e de status social; violência no contexto familiar e agressão sexual; vulnerabilidade social.
Quando se identificam comportamentos de risco para suicídio, sem eles verbais ou não-verbais, de acordo com a OMS, a abordagem preventiva precisa ser instalada, com a finalidade de restringir o acesso a métodos comuns de suicídio (por exemplo: cordas, armas de fogo e contato com medicamentos em excesso) além de oferecer tratamento adequado.
É importante ressaltar que o tratamento das dependências são um passo importante para o enfrentamento da ideação suicida. Por conta disso, quando o pensamento suicida está associado à dependência, a internação torna-se assertiva, proporcionando um manejo efetivo de ambas as condições. Nesse processo, é importante que o dependente esteja aos cuidados de equipe multiprofissional, além de um engajamento familiar no processo de reabilitação e recuperação.
Por mais complexo que seja esse tema, é preciso que, como profissionais de saúde e sociedade, possamos identificar os sinais de risco em torno dessa dolorosa situação para que possamos fazer a diferença e abrir caminhos para a prevenção. Embora, nem sempre seja possível evitar. Dessa forma, é fundamental que os tabus, medos e preconceitos sejam vencidos. Julgar o indivíduo com comportamento suicida, apenas ratificará a sua vontade de morrer. Abordagens comuns que negligenciam os aspectos de saúde mental e supervalorizam os aspectos espirituais ou o contrário são contraindicados.
Portanto recomenda-se aos profissionais de saúde estar atento aos sinais de alerta, como: mudanças repentinas de comportamento, isolamento social, fala sobre querer morrer, entre outros. Oferecer apoio e escuta ativa: mostre empatia e demonstre interesse genuíno em entender o que a pessoa está passando. Encaminhar para ajuda profissional para receber apoio especializado. Manter contato constante. Manter potenciais meios letais fora de alcance: se possível. Elaborar um plano de segurança com estratégias para lidar com momentos difíceis e situações de crise. Implementar medidas imediatas caso haja risco iminente: se você suspeitar que alguém está prestes a cometer suicídio, não hesite em ligar imediatamente para serviços emergenciais ou levar essa pessoa ao hospital mais próximo.
CVV (Centro de Valorização da Vida – 188)
Referências:
https://www.paho.org/pt/campanhas/dia-mundial-prevencao-ao-suicidio-2023
Baldaçara L, Weber CAT, Gorender M, Grudtner RR, Peu S, Teles ALS, Passos IC, Quevedo J, da Silva AG. Brazilian Psychiatric Association guidelines for the management of suicidal behavior. Part 3. Suicide prevention hotlines. Braz J Psychiatry. 2023 Mar 13;45(1):54-61. doi: 10.47626/1516-4446-2022-2536. PMID: 35809251; PMCID: PMC9976911.
Armoon B, Fleury MJ, Bayat AH, Fakhri Y, Higgs P, Moghaddam LF, Gonabadi-Nezhad L. HIV related stigma associated with social support, alcohol use disorders, depression, anxiety, and suicidal ideation among people living with HIV: a systematic review and meta-analysis. Int J Ment Health Syst. 2022 Mar 4;16(1):17. doi: 10.1186/s13033-022-00527-w. PMID: 35246211; PMCID: PMC8896327.
¹Alessandra Mendes Calixto
Enfermeira. Doutora em Enfermagem (UFRGS). Consultora em Dependência Química do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA/RS).
²Ronaldo Rodrigues de Oliveira
Médico Psiquiatra. Mestre em Biotecnologia (UNIVATES). Especialista em Psiquiatria de Adição pelo Programa de Residência Médica (HCPA/RS). Especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental (UNIVATES)