Autora:  Alessandra Diehl

Embora o consumo de álcool aumente o risco de violência interpessoal, ainda é visto como um elemento central de muitos eventos de futebol em vários países do mundo, quer seja através da venda de bebidas alcoólicas (principalmente cerveja) antes, durante e depois dos eventos, por meio de ostensiva propaganda de bebidas alcoólicas relacionadas ao jogos de futebol e, muitas vezes, dirigidas ao público infanto juvenil.

No Brasil, a proibição de venda de bebidas de álcool durante os jogos de futebol começou em São Paulo, no ano de 1995, como uma resposta a uma violenta briga entre os apoiadores de dois times de futebol adversários que culminou com mortes e muitos feridos. Alguns anos depois, em 2003, o Congresso Nacional Brasileiro aprovou o conhecido “Estatuto do Torcedor”, conhecido também pela “Lei do Torcedor”. O artigo 13-A II desta lei nacional estabelece que, “para ter acesso a eventos esportivos, os espectadores não podem portar objetos, bebidas ou outras substâncias capazes de gerar ou possibilitar atos de violência”. Embora as bebidas alcoólicas não sejam mencionadas diretamente no texto da lei, existe um amplo consenso de que são substâncias capazes de gerar ou possibilitar atos e comportamentos de violência e, portanto, foram banidas dos estádios de futebol e outros eventos esportivos no país.

Este debate voltou para as pautas nacionais durante os jogos da Copa do Mundo realizada no Brasil em 2014 quando a lei 10.671/2003 foi temporariamente suspensa por 30 dias por uma imposição da FIFA. No ano de 2018, no estado do Rio Grande do Sul o governador em exercício vetou qualquer flexibilização desta lei e agora mais recentemente o PL 3788/2019 vem sendo tramitado com o intuito de criminalizar a venda de bebidas alcoólicas nos estádios de futebol e outros espaços de eventos esportivos.

Os dados científicos sobre a eficácia desta medida ainda não estão amplamente disponíveis, uma vez que a violência existe tanto dentro quanto fora dos estádios de futebol e, em ambos os casos, existe uma forte associação com álcool. A imprensa divulgou 42 mortes associadas aos jogos de futebol no Brasil entre 1999 e2008. Isso o coloca no topo de uma lista de países em termos do número de mortes associadas ao futebol e a violência. O consumo excessivo de álcool é sabidamente responsável por danos consideráveis causados por doenças crônicas, lesões, acidentes, quedas e traumas. Segundo Noel et al., (2018) em Marselha, durante a copa do futebol de 2016, houve um aumento de 43% nas visitas aos serviços de emergências, as quais estiveram relacionadas ao álcool de forma independente.

Geralmente, os esportes estão relacionados a hábitos saudáveis em vários contextos, mas essa suposição não pode ser adotada com relação ao futebol, uma vez que o consumo episódico de álcool em binge parece ser mais forte nesta modalidade esportiva do que em outros esportes coletivos. O estudo conduzido por Bedendo et al., (2013) assinala que a prática de um esporte de equipe e sua socialização não são as únicas razões para mais episódios de beber em binge. Os autores destacam que a influência cultural pode desempenhar um papel importante no comportamento de consumo de álcool, principalmente no Brasil, onde o futebol é um determinante sociocultural de grande importância. Assim, o tipo de esporte e seu significado cultural na população deve ser levado em conta. Assim como em muitos outros países, onde o álcool é produzido e vendido legalmente, o Brasil tem consideráveis níveis de ambiguidade sobre o lugar do álcool na nossa sociedade.

Entre os suecos, uma amostra aleatória da população geral de 3503 residentes adultos foi entrevista por Skoglund et al., (2017) sendo que apenas 26% dos entrevistados apoiaram a venda de álcool em eventos de futebol. Mais de 90% relataram que os espectadores obviamente intoxicados deveriam ter sua entrada negada ou expulsos das arenas. Naquele país parece existir um forte consenso público quanto ás estratégias e políticas para reduzir as vendas de álcool e os níveis de intoxicação nos jogos de futebol.

A necessidade de realizar os jogos de futebol sem plateia em tempo de pandemia do COVID-19 tem causado polêmicas e dividido opiniões. Muitos se perguntam qual será o futuro dos jogos de futebol pós-pandemia. Creio ser oportuno também voltarmos a discutir qual é o papel do álcool e do futebol quando definitivamente as arquibancadas voltarem a ficar lotadas novamente. Será que ao voltar, o álcool deve ou não estar presente nas partidas? Existe um forte consenso público sobre estratégias e políticas para reduzir a venda de álcool e os níveis de intoxicação em jogos de futebol.

No Brasil, parece importante que este apoio público também cresça, e assim, este possa ter fortes implicações para esforços preventivos, para a implementação de estratégias e mudanças de políticas relacionados ao álcool e os estádios de futebol. Como bem apontado por Caetano e colaboradores (2012) “O álcool não é uma mercadoria qualquer. As pessoas obviamente experimentam prazer com o consumo de álcool ao mesmo tempo que o álcool gera empregos e receitas fiscais para estados e países, gera também grande ônus para toda uma sociedade”.

Fontes:
Bedendo A, Opaleye ES, Andrade AL, Noto AR. Heavy episodic drinking and soccer practice among high school students in Brazil: the contextual aspects of this relationship. BMC Public Health. 2013 Mar 20;13:247. doi: 10.1186/1471-2458-13-247

Caetano R, Pinsky I, Laranjeira R. Should soccer and alcohol mix? Alcohol sales during the 2014 World Soccer Cup games in Brazil. Addiction. 2012 Oct;107(10):1722-3. doi: 10.1111/j.1360-0443.2012.03945.x. Epub 2012 Aug

Kingsland M, Wolfenden L, Rowland BC, Gillham KE, Kennedy VJ, Ramsden RL, Colbran RW, Weir S, Wiggers JH. Alcohol consumption and sport: a cross-sectional study of alcohol management practices associated with at-risk alcohol consumption at community football clubs. BMC Public Health. 2013 Aug 16;13:762. doi: 10.1186/1471-2458-13-762.

Murray R, Breton MO, Britton J, Cranwell J, Grant-Braham B. Carlsberg alibi marketing in the UEFA euro 2016 football finals: implications of Probably inappropriate alcohol advertising. BMC Public Health. 2018 Apr 25;18(1):553. doi: 10.1186/s12889-018-5449-y
Noel GN, Roch AR, Michelet PM, Boiron LB, Gentile SG, Viudes GV. Impact of the EURO-2016 football cup on emergency department visits related to alcohol and injury. Eur J Public Health. 2018 Jun 1;28(3):434-436. doi: 10.1093/eurpub/ckx233

Skoglund C, Durbeej N, Elgán TH, Gripenberg J.Public opinion on alcohol consumption and intoxication at Swedish professional football events. Subst Abuse Treat Prev Policy. 2017 May 8;12(1):21. doi: 10.1186/s13011-017-0103-8

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