Dr. Felipe Ornell
A Cultura do Álcool
Como você celebra uma promoção no trabalho? Como comemora seu aniversário ou as festas de final de ano? Como socializa com amigos ou lida com demissões, frustrações ou términos de relacionamento? Embora haja diversas respostas para essas perguntas, uma constante prevalece: o consumo de álcool. Versátil, ele marca presença em eventos significativos, desde aniversários até velórios.
Contradição ou Coincidência?
A “cultura de beber” não é um fenômeno recente, estendendo-se por diversas expressões artísticas, cinema, rituais religiosos, letras musicais e eventos esportivos. Essa presença é impulsionada pelo prazer cerebral, sensação de relaxamento e uma indústria bilionária. A ilusória ideia de manter o controle do consumo como uma decisão racional, porém, é questionável. Cerca de 10% da população mundial é dependente de álcool, mas o número de pessoas que consomem socialmente, sem dependência, é consideravelmente maior. Essa constatação é problemática, uma vez que todo uso problemático começa como recreativo, e nem todos os desfechos trágicos estão vinculados à dependência.
Efeitos da Dependência e Abuso
O uso e abuso de álcool causam 3,3 milhões de mortes anualmente, equivalendo a 6% de todas as mortes globais. Contrariando a ideia de benefícios à saúde pelo consumo moderado, evidências sólidas indicam que os riscos superam quaisquer benefícios, contribuindo para mais de 60 condições de saúde agudas e crônicas e 200 doenças. Mesmo excluindo desfechos associados à dependência, eventos adversos e fatais ocorrem, especialmente após episódios de consumo excessivo (binge drinking). Estima-se que 18% dos conflitos interpessoais, 27% dos acidentes de trânsito e 18% dos suicídios envolvem consumo prévio de álcool.
Consumo de Álcool nas Festas de Final de Ano
Com o aumento do consumo de álcool nas festas de final de ano suscita preocupações sobre as consequências do uso abusivo. Em dezembro, as vendas, consumo e mortes relacionadas ao álcool atingem níveis alarmantes. Estudos indicam que, apesar do pico semanal nas sextas-feiras e sábados, os índices durante o Natal e o Ano Novo são ainda mais elevados, explicando esses desfechos trágicos. Embora não haja consumo de álcool isento de riscos, para quem decide beber alguns cuidados podem ajudar a mitigar danos:
- Alimente-se bem para retardar a absorção do álcool.
- Intercale doses de álcool com bebidas não alcoólicas.
- Beba lentamente para reduzir os efeitos da absorção.
- Ajude pessoas próximas que estejam se colocando em risco após o consumo.
- Esteja atento ao estado emocional, pois o álcool pode potencializar estresse e raiva.
- Em encontros familiares, a inibição reduzida pelo álcool pode levar a expressões impulsivas.
- Se beber, não dirija.
Esses cuidados podem evitar que o excesso de hoje se torne a depressão de amanhã.
Referências
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Graduado em Psicologia, Mestre e Doutor em Psiquiatria e Ciências do Comportamento, Possui Residência em Saúde Mental, Especialista em Dependência Química, Especialista em Psicologia Clínica e em Psicologia em Saúde.