Deixa-o fumar, já fumou a vida toda mesmo! Será?

Por Carlos Costa.

Este é o título da minha palestra no XXVII Congresso da ABEAD – Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas um tema palpitante e desafiador onde precisamos juntos iluminar as áreas sombrias e escuras da nossa sociedade.

Pobres, negros, mulheres, homossexuais, idosos, pessoas com deficiências, doentes mentais, dependentes de álcool, tabaco e outras drogas são pessoas que representam as diversidades da nossa sociedade, mas muitas vezes não são vistos ou são esquecidos pela sociedade.

Muitas dessas pessoas vivem à sombra de uma sociedade entorpecida pelo poder, dinheiro, fama, prazer e uso de álcool, tabaco e outras drogas.

Felizmente estamos unidos para mudar essa realidade, celebrando a diversidade.

Eu, Tu, Eles… Todos Nós juntos e unidos para cuidar daqueles que mais precisam.

Entre as muitas diversidades que vivemos em nossa sociedade há a diversidade de gerações.

As 5 gerações convivem com suas diferenças etárias, sociais e culturais.

Os Baby Boomers são os idosos de hoje, nascidos de 1945 a 1964, na explosão de nascimentos após a segunda guerra mundial. A seguir vem a Geração X que assistiu pela primeira vez a televisão colorida. A Geração Y, também conhecida como Millennials cresceram com os computadores domésticos e assistiram a rápida evolução tecnológica que a partir dessa geração. A geração Z dominou o mundo digital com o desenvolvimento dos smartphones. A última geração, a Geração Alfa, a geração mais jovem, nascida no último século, é a geração digital.

A dificuldade em se compreender e conviver com as diferenças culturais, os distanciamentos temporais e as limitações físicas pelo passar dos anos, podem contribuir para o etarismo.

Etarismo é a discriminação por idade, é uma forma de preconceito e intolerância à pessoa de maior idade.

Segundo o Relatório da Organização Mundial da Saúde – OMS o etarismo se refere a “estereótipos (como pensamos), preconceitos (como nos sentimos) e discriminação (como agimos) direcionadas às pessoas com base na idade que têm”.

Algumas frases explicitam o preconceito pela idade. Não é raro ouvir a frase: Você não aparenta a idade que tem, como se aparentar a idade fosse algo ruim. As marcas do tempo, as rugas e os cabelos brancos mostram a maturidade de quem viveu, acertou, errou, enfrentou desafios, teve tempo para fazer, desfazer e refazer.

Recentemente a mídia divulgou o caso das colegas que ingressaram numa faculdade que manifestaram nas suas mídias sociais forte etarismo ao expressar surpresa e descontentamento por terem uma colega na turma de 40 anos.

A frase provocativa proposta no tema desta palestra (Deixa-o fumar, já fumou a vida toda mesmo!  Será?) mostra o etarismo de familiares, profissionais de saúde e até mesmo dos próprios fumantes com mais de 60 anos.

O tabagismo é uma doença crônica, que está classificada no CID 10 da Organização Mundial da Saúde no capítulo dos Transtornos Mentais e Comportamentais devido ao uso de substância psicoativa. Neste caso a substância responsável pela dependência é a nicotina, uma droga poderosa, perigosa, traiçoeira e sedutora. O tabagismo que, na maioria das vezes, se inicia na adolescência, perdura por muito tempo, podendo chegar na 3ª idade, trazendo suas graves consequências para a saúde. São mais de 50 doenças diferentes causadas pelo cigarro. Segundo a OMS o tabagismo é a principal causa de morte evitável no mundo, correspondendo a mais de 8 milhões de mortes todos os anos.

Historicamente o tabagismo foi impulsionado pela industrialização do cigarro, no final do século XIX, seguido pelas grandes guerras mundiais, onde o tabaco era largamente distribuído para os soldados e finalmente a poderosa estratégia de marketing do cigarro que associava o uso do tabaco com ideal de beleza, sucesso e liberdade.

Na década de 50 a indústria do cigarro passou a utilizar profissionais de saúde para iludir e atrair os consumidores de cigarros. A indústria do tabaco não se cansa e procurar manter seus ganhos e continuam se reinventando, atualmente com a estratégia de apresentar o cigarro eletrônico como uma opção menos prejudicial à saúde do fumante, a indústria procura confundir a opinião pública. Infelizmente apesar das evidências dos sérios problemas de saúde aos seus usuários, o cigarro eletrônico segue seduzindo jovens consumidores, mesmo sendo proibida sua divulgação e comercialização no Brasil.

A geração Baby Boomers foi a geração mais afetada pelo marketing do cigarro. No final da década de 80 eram 35% de fumantes no Brasil, entre eles estavam meus pais, que foram vítimas do marketing enganoso do cigarro. Meus pais contavam que se conheceram quando eram estudantes na faculdade de serviço social, minha mãe pediu um cigarro para meu pai. Desse encontro seguiu o namoro. O namoro deu certo, mas os anos de tabagismo trouxe graves consequências para a saúde da minha mãe.

Essa geração pagou um alto preço pela elevada prevalência do tabagismo.

Com aumento do tabagismo feminino, a partir da década de 60, aumentou também a morbimortalidade feminina por infarto, AVC e câncer de pulmão.

O tabagismo é a principal causa de morte evitável e o principal fator de risco para as DCNT.

Muitos idosos fumantes já convivem com o diagnóstico de doenças graves como o enfisema, doença coronária, cerebrovascular, vascular periférica ou neoplásica.

Nunca é tarde para parar de fumar!

 

A literatura mostra os inúmeros benefícios quando o idoso deixa de fumar como:

  • Redução do risco de desenvolvimento de novas doenças;
  • Interrupção da progressão da doença já existente;
  • Melhora da expectativa e qualidade de vida;
  • Diminuição do declínio cognitivo;
  • Melhora da função pulmonar;
  • Melhora da autoestima;
  • Melhora a autonomia.

E importante evitar o etarismo no controle do tabagismo.

O idoso, sistematicamente, tem sido excluído ou ignorado nos programas de prevenção e cessação do tabagismo

Devemos ter bem claro que a idade não deve ser um elemento limitador da aplicação dos procedimentos preventivos e terapêuticos da dependência nicotínica.

O tabagismo representa um fator de risco independente para mortalidade no idoso.

Essa mortalidade poderia ser alterada promovendo a cessação do tabagismo entre as pessoas idosas.

É necessário individualizar a abordagem do idoso fumante devido as seguintes características:

  • Alto grau de dependência.
  • Pensamentos negativos e sabotadores como: já fumei a vida toda e agora é tarde para deixar de fumar, já estou doente, todo mundo vai morrer…
  • Viúvos, solitários, vivenciam o cigarro como um amigo incondicional que preenche o vazio existencial.
  • Comorbidades como ansiedade, depressão, alcoolismo, demência.
  • Profissionais de saúde tendem a oferecer menos ajuda ao idoso fumante.
  • Falta de visibilidade para o fumante idoso receber o cuidado.

Por que os idosos tem encontrado dificuldades para receber ajuda? Principalmente devido ao etarismo, falta de visibilidade e falta de cuidado com o fumante idoso.

Há 16 anos o Programa de Assistência Intensiva ao Tabagista (PAIT) da prefeitura de Jundiaí tem salvado vidas de todas as gerações, ajudando as pessoas a se libertarem da dependência de nicotina.

São aproximadamente 10 mil pessoas desde adolescentes até idosos, como nosso paciente de 86 anos, que está muito feliz por ter deixado de fumar.

Realizamos encontros semanais, nos 3 períodos, manhã, tarde, noite para oferecer maior oportunidade de tratamento para quem deseja parar de fumar. Nos encontros aplicamos a técnica cognitivo comportamental em grupo.

Em 2022 foram atendidos pelo PAIT 683 fumantes sendo 30% de pessoas com 60 anos ou mais.

O fumante precisa de visibilidade e cuidado em todas as faixas etárias. Esse cuidado precisa ser oferecido na forma de apoio, ajuda, acompanhamento e tratamento do fumante. A abordagem do fumante precisa ser empática e acolhedora.

O idoso precisa de acolhimento, respeito e reconhecimento. No PAIT o fumante é recebido de braços abertos, caminhamos ao seu lado apoiando, ajudando, cuidando. Quando o fumante deixa de fumar é aplaudido, e após um ano sem fumar recebe um certificado de honra ao mérito como demonstração do nosso reconhecimento pela sua determinação e perseverança em vencer o tabagismo.

No nosso método é apresentado as 5 dicas para parar de fumar:

1ª Marque uma data.

2ª Resista a vontade de fumar

3ª Lembre-se que fumar não resolve problemas

4ª Mude a sua relação como o cigarro. Ele não é seu amigo!

5ª Evite o primeiro cigarro

Os sintomas de abstinência de nicotina dificultam o fumante a parar de fumar em qualquer idade. Didaticamente explicamos aos pacientes que os receptores de nicotina no fumante funcionam como “boquinhas” famintas que gritam e perturbam quando não recebem sua dose desejada de nicotina. Os medicamentos podem ser úteis em ajudar a sossegar essas “boquinhas” malcriadas. Os medicamentos devem ser oferecidos para tratar a abstinência no paciente idoso do mesmo modo que para aos mais jovens, respeitando as indicações e contraindicações. Enfatizamos aos participantes que o papel da medicação não é fazer o fumante parar de fumar, mas sim, aliviar os sintomas de abstinência.

Na nossa experiência o grupo de ajuda mútua tem um papel preponderante na abordagem do fumante. No grupo o fumante se sente acolhido, percebe que suas dificuldades são semelhantes, e que com ajuda do grupo, com as trocas de experiências, os participantes sentem-se fortalecidos para superar os desafios da dependência nicotínica.

As histórias compartilhadas tem o poder de inspirar, motivar e transformar pessoas dependentes de nicotina em pessoas livres e saudáveis.

Muitos dos participantes do PAIT referem ter uma vida mais feliz depois que deixaram de fumar.

Foi o que revelou nossa paciente que parou de fumar há 15 anos e quando perguntada o que mudou na sua vida, respondeu:
Mudou tudo! Substituí o cigarro pelos estudos. Agora tenho saúde, alegria e prazer em viver. Encontrei meu sentido para viver. Hoje sou feliz.

Com esse testemunho de superação percebemos que o PAIT além de promover saúde,  estava também,  promovendo felicidade.

Para toda a nossa equipe é muito gratificante participar e perceber a transfomação da vida dos participantes do PAIT.

Concluí minha apresentação dizendo: Espero que possamos sair deste congresso capacitados e motivados para que EU, TU, ELES … NÓS possamos contribuir para a  promoção da saúde plena, o bem estar físico, emocional, social e espiritual, cuidando daqueles que mais precisam.

Encerrei homenageando os Baby Bommers representados pelos meus pais. Meu pai parou de fumar com a ajuda de um programa emu ma igreja. Minha mãe teve muita dificuldades em parar de fumar, quando parou há 7anos já estava com acentuado declíneo cognitivo causado pelo cigarro. O cigarro tirou sua memória e autonomia mas não tirou sua alegria de viver. Celebramos alegremente seus 80 anos no final do ano passado.

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