Por Selene Franco Barreto

O carnaval chegou e com ele vem a alegria, a diversão e o lazer. Fica uma euforia no ar pela agitação das pessoas que brincam o carnaval ou viajam, há ainda as que fazem compras para ter tudo em casa e nem precisar ir à rua…

Não importa como seja o seu feriado do carnaval, pois o importante é termos a consciência de nossos limites e que precisamos nos cuidar, termos uma relação empática e um comportamento mais humanizado.

Algumas pessoas necessitam dobrar a vigilância por terem algum limite de saúde e precisam se cuidar. Por exemplo, quem tem câncer de pele deve evitar se expor ao sol ou usar muito protetor solar, chapéus ou bonés e roupas com proteção UV ou ainda, os dependentes químicos, por estarem em situações de risco por causa da abstinência, devem tomar certos cuidados para evitar a recaída, etc.

A pessoa portadora de Transtorno do Uso de Substancia (TUS), faz um planejamento de Prevenção de Recaída, se prepara para essa data, mesmo que escolha não socializar ou frequentar os bailes de carnaval. Idealmente, uma pessoa em recuperação busca estar junto de outras pessoas que sabem das suas dificuldades, evita estar sozinho (a) ou busca se divertir junto a família. Ver outras pessoas com comportamento que remetem hábitos antigos pode ser ansiogênico e um gatilho emocional para recaída.

Este é um período de fortalecer a autoeficácia, frequentar grupos de AA ou NA a noite, presencial ou on-line, andar com o telefone de ajuda do grupo de apoio, cartão de enfrentamento, manter as três refeições por dia, ficar com seu refrigerante, água, mate e/ou suco na mão, levar balas no bolso ou bolsa para comer algo doce, ser assertivo e dizendo não, evitar discussões, tolerar o comportamento dos outros e buscar se divertir. Aproveitar o dia e usar a noite para descansar, não beber cerveja sem álcool, sair de casa sempre com o destino certo e voltar com a certeza que só por hoje se conseguiu.

Quero compartilhar uma história inspiradora, a busca por segurança e aceitação do seu TUS, de uma pessoa que vivenciou um carnaval de cara limpa e sem ressaca:

“Só de pensar em passar o carnaval sem beber eu chorava. E muito. Demorou mais de um ano, com tratamento intenso, pra superar esse luto da memória de toda uma vida conectando a alegria do carnaval à euforia do álcool. O medo de não poder aproveitar mais o que sempre me fez tão feliz. Medo de me sentir deslocada. Dos meus amigos não quererem minha companhia ou, pior, me acompanharem e me acharem chata. E o maior medo de todos, o de não me divertir, não gostar mais dessa festa linda e quente que me encanta desde criança.

A preparação foi grande e a ansiedade maior ainda: agenda de blocos, convites a amigas que não bebem e confirmação de presença também com os amigos de sempre, insônia, compra de fantasias e acessórios e muita, muita terapia e com planejamento de ir e voltar para casa.

Todos os medos se dissolveram ainda na primeira manhã de pré carnaval, ao som do primeiro tamborim estalando. O corpo todo ficou feliz de novo, só de ver as ruas de Santa Teresa cheias de gente colorida, e mesmo sem cerveja eu continuei amando me misturar à multidão suada que se espreme nas ruas atrás do bloco.

É claro que em alguns momentos a memória da cerveja gelada ainda volta, com os 30 anos de carnaval que passei bebendo, com uma determinada marchinha que toca e revolve lembranças, com os amigos que a gente fala o ano todo mas praticamente só encontra no carnaval, quando um ambulante passa gritando no calor intenso e em muitos outros momentos. Mas nada que me causasse tristeza ou autopiedade.

O sentimento maior foi de orgulho de mim mesma por estar tão feliz com minha coca zero, consciente de tudo, dona do meu corpo e dos meus movimentos, aproveitando cada minuto da festa. De gratidão pelas novas e velhas amizades que estavam compartilhando daquela felicidade comigo. E o melhor: sem ter que passar horas atravessando bloco e esperando na fila do banheiro, gastando muito menos dinheiro, fazendo fotos maravilhosas e chegando em casa pronta pra outra, podendo contar em detalhes como foi tudo. Resumindo: só vi vantagens!

A sensação de acordar no dia seguinte lembrando de tudo, sem vergonha de nada, sem culpa, pra ir a mais um bloco, já sem medo e com a confiança de que eu posso me divertir comigo mesma, com meus amigos e com a festa, sem álcool, é indescritível.

Sou extremamente grata por todo o processo de desintoxicação e recuperação pelo qual venho passando há mais de um ano no tratamento ambulatorial e que envolve tanta gente.

No fim, no fundo é tudo sempre sobre gente. Gente que entende exatamente como você se sente porque já passou pelo mesmo e tem a generosidade de compartilhar a sua experiência. Gente que se especializou profissionalmente para ajudar pessoas com as dificuldades que você enfrenta. E gente que, embora não esteja no mesmo barco que você, tem empatia, conhecimento técnico e carinho suficientes pra mudar sua rotina, te apoiar no caminho e tornar o mar mais azul.

Para mim, sozinha não seria difícil. Seria impossível.

Nesse carnaval, fico muito feliz em poder celebrar perto de várias dessas pessoas a enorme conquista da sobriedade. Só por hoje e para sempre. “ – M.F.F.B.

É possível ter vida quando deixa de beber e de usar outras drogas. É possível voltar a ter LIBERDADE DE SER.

Aproveite o carnaval de cara limpa e sinta a Liberdade de Ser e Estar bem….

Selene Franco Barreto

Psicóloga Clínica e Consultora, Presidente da ABEAD (2023-2025).

@barreto_selene

 

 

 

 

 

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