Imagem: Elifas Andreato

(*) Guilherme Athayde Ribeiro Franco

A descriminalização do THC nos levará a passos largos à RCB: “República Canábica do Brasil”.

É o esperado pavimento para a legalização de mais uma droga que infelizmente será “pediátrica”.

Entretanto, sinceramente, não creio que se trata de um projeto de poder de qualquer corrente partidária.

Parece-me – salvo melhor juízo e com supremo respeito – equivocada leitura de um complexo fenômeno biopsicossocial.

Refiro-me ao crescente consumo de substâncias psicoativas [lícitas ou não]; e que leva milhões ao uso abusivo e à dependência química, com nefastas consequências à família, à saúde, à segurança e à economia.

É ignorar, por melhor que seja a intenção de seus proponentes, as não só complexas como também perversas engrenagens [invisíveis] que visam a destroçar toda uma nação, a partir do que há mais precioso: suas crianças, adolescentes e jovens.

É colocar um telhado [experimental, diga-se por oportuno…., sem nenhuma garantia de “fábrica”] em construção assentada sobre um movediço terreno.

Paredes desalinhadas erguidas em solo contaminado; e não bastasse, sem os elementares alicerces da prevenção.

Deveras, em um país no qual a cerveja não é considerada álcool, onde temos de lutar para demonstrar que cigarro eletrônico é cigarro [sob pena de inimaginável retrocesso], soa prematuro e imprudente se ampliar o cardápio de psicoativos.

Pior: em um tempo de “self service” e “delivery” para os “filhos do quarto e dos celulares”.

Algo como: “escolha do sabor de bergamota ao de açaí; que chegam em minutos   39,99 g/39.999 mg de puro THC – em um “vape” ou em um pacotinho de jujuba/gummie.

Procure no “Gúgou”: … “perto de mim”.

Peça por “nome de fruta” – afinal, só se comercializaria uma inocente e benfazeja planta…

E nem precisa escrever. Use as figurinhas do “zápi” que o diligente e astuto fornecedor saberá do que se trata.

Saudades do tempo em que éramos uma Bananolândia, “Banana Republic”.

Pelo menos produzíamos triptofano, substância associada ao bem-estar e não a psicoses.

E o que faremos diante de tal anomia que virá como um dilúvio ou tsunami?

Tempo de crise é tempo de ação profética e cidadã, de não assumirmos a forma disforme e liquefeita deste século.

A propósito, Zygmunt Bauman, ao escrever sobre modernidade/sociedade/vida líquidas, teria imaginado que nós todos viraríamos “suco” adocicado e venenoso – o “e-juice” de um “vape”?

Mais atual que a narcomídia de amanhã é um pensador/teólogo africano de priscas eras.

“A esperança tem duas filhas lindas, a indignação e a coragem; a indignação nos ensina a não aceitar as coisas como estão; a coragem, a mudá-las.” [S. Agostinho de Hipona]

E “é proibido pecar contra a esperança”!

Foi o que escreveu o artista plástico Elifas Andreato, abaixo de sua emocionante tela – na qual um garoto de pele negra e pés descalços, em linda noite de Natal, empunha a bandeira do Brasil; enquanto semeia estrelas na noite azul.

(*) Promotor de Justiça em Campinas/SP; especialista em Dependência Química [UNIAD/UNIFESP], associado da APMP [Associação Paulista do Ministério Público] e da ABEAD [Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas].

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