Por Alessandra Diehl 

O que é ChemSex ?

Recentemente, houve um aumento nos relatos do fenômeno denominado ChemSex, uma subforma de uso sexualizado de substâncias psicoativas. Chemsex é um neologismo que consiste nos dois termos “produtos químicos” e “sexo”. Descreve o uso de metanfetamina, γ‑hidroxibutirato/γ-butirolactona (GHB), mefedrona e, por vezes, outras substâncias como por exemplo cocaína, poppers  e ecstasy num contexto sexual, especialmente por homens que fazem sexo com homens (HSH).

O ChemSex é uma prática sexual que ocorre predominantemente em um ambiente privado, sendo inegável que a Internet tem participado significativamente na evolução dos comportamentos sexuais, tanto em termos de encontros sexuais como de disponibilidade de novas substâncias sintéticas, principalmente após o advento dos aplicativos de geolocalização que têm contribuído para o desenvolvimento desta prática sexual.

Prevalência

Trata-se de um problema crescente de saúde pública com inúmeras consequências físicas e mentais, com taxas de prevalência estimadas entre 3% a 29% em homens que fazem sexo com homens (HSH). Os riscos conhecidos do Chemsex incluem maior exposição ao HIV e outras ISTs, desenvolvimento de adições e problemas cardiovasculares. Pesquisas recentes também mostram que os praticantes estão mais propensos à depressão, ansiedade, experiências psicóticas e comprometimento cognitivo.

Os sintomas psicóticos que ocorrem devido a prática de ChemSex variaram de 6,7% a 37,2%, sendo um dos diagnósticos psiquiátricos mais frequentes. Slamsex, policonsumo de drogas e metanfetamina fumada representavam um risco 3 vezes maior de psicose nesta prática. Outros fatores de risco encontrados para o desenvolvimento de psicose no ChemSex são status de minoria étnica ou estrangeira, morar em grandes cidades, estresse e ansiedade, trauma, solidão, infecções sexualmente transmissíveis (IST), hepatite e história psicótica prévia. Por isso que é importante, na abordagem da prevenção e tratamento deste fenômeno, ter em conta as motivações e as circunstâncias psicossociais.

Outras formas de fazer ChemSex

No contexto sexual de prática de ChemSex podem ser aplicadas múltiplas vias de administração de substâncias, incluindo ‘slamming’ (termo utilizado neste contexto quando uma droga é utilizada via injetável) e ‘bootybumping‘ (termo utilizado quando uma droga é administrada por via retal). Bootybumping, às vezes também pode ser chamado de boofing e outros termos no idioma inglês, tais como plugging ou hooping. Trata-se, portanto, de uma forma de consumir drogas – geralmente metanfetamina, heroína ou cocaína – por meio da injeção retal das mesmas com água e esguichar no ânus através de uma seringa sem agulha na ponta. Está prática é mais comumente associado a homens gays, mulheres transexuais e suas parcerias, mas o bootybump é mais uma prática para quem consome drogas, inclusive para quem não tem interesse em sexo anal.

O papel dos profissionais da saúde

Alguns HSH podem ter necessidades de discutir questões relacionadas com a prática do ChemSex com seus prestadores de cuidados em saúde, no entanto, enfrentam obstáculos quando procuram ajuda profissional devido à vergonha, ao medo de julgamento e à percepção de conhecimentos insuficientes dos profissionais de saúde. Os profissionais de saúde muitas vezes desconhecem o ChemSex. Por outro lado, os serviços de atenção sexual aos HSH e os equipamentos para cuidados das adições parecem ainda trabalhar dissociados um do outro daí a necessidade de aumentar o conhecimento e treinamento adicionais destes profissionais.

É importante que os profissionais da área da saúde tenham em mente que apenas a aplicação de conceitos teóricos ou estratégias terapêuticas comumente utilizadas para lidar com as adições e comportamentos sexuais de risco não dão conta de atender a real dimensão deste fenômeno emergente, pois pode negligenciar as características únicas que afetam principalmente as minorias estigmatizadas.

A teoria do apego é uma forma de fornecer redução de danos de forma holística e personalizada já que algumas pessoas com problemas relacionados a drogas envolvidas em ChemSex podem ter sofrido eventos adversos (traumas) precoces e podem ter um estilo de apego evitativo-inseguro. Além disso, aqueles que foram diagnosticados com HIV podem apresentar maior desregulação emocional e padrões de autocuidado mais enfraquecidos.

A importância da PrEP

Essas variáveis devem ser avaliadas rotineiramente nesta população. Recomenda-se também incorporar o apoio abrangente ao ChemSex no pacote de cuidados da Profilaxia Pré Exposição (PrEP) e desenvolver novas ferramentas e intervenções para alcançar um melhor impacto. Há uma necessidade urgente de programas que integrem serviços de drogas, saúde sexual e saúde mental, com foco na redução de danos (por exemplo, preservativos, acesso e utilização de testes de HIV e serviços de PrEP, conhecimento sobre substâncias e uso mais seguro de drogas) adaptados para HSH que praticam ChemSex.

Referências

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Alessandra Diehl

Psiquiatra, mestre e doutora pela UNIFESP, pós doutora pela USP de Ribeirão Preto. Especialização em dependência química e sexualidade humana. Membro do Conselho Consultivo da ABEAD

@dra.alessandradiehl

 

 

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