A importância das comunidades (terapêuticas) frente à pandemia do medo, consumo de drogas e população em vulnerabilidade.

Autor: Nino Marchi

Desde os primeiros casos do vírus SARS CoV-2 (COVID-19) em Wuhan, China, em dezembro de 2019, a Organização Mundial da Saúde (OMS) classificou oficialmente a propagação do vírus como a primeira pandemia desde o H1N1 em 2009/20101.

A pandemia da COVID-19 interrompeu a prestação de serviços de saúde mental em todo o mundo, particularmente em muitos países de baixa e média renda. A preocupação global com as consequências psicossociais da COVID-19 levou os principais órgãos e governos a solicitar cada vez mais propostas para lidar com esses efeitos. Diante dessa realidade é bem provável que pessoas em situações de rua estejam ainda sendo afetadas pela Pandemia por COVID-191.

A população em situação de rua, são pessoas que muitas vezes vivem em ambientes propícios para uma epidemia de doenças. Muitos desses ambientes podem ser descritos com locais de convivência formal (abrigos, casas de acolhidas, centros de recuperação ou comunidades terapêuticas para usuários de substâncias psicoativas). Outros locais são descritos como informais (acampamentos ou prédios abandonados) e podem não oferecer acesso regular de suprimentos básicos, como sabão e chuveiros para higiene, o que facilita a transmissão do vírus. As pessoas em situação de rua parecem estar mais vulneráveis, segundo estudos que demonstram essa realidade. Em relação ao contágio a COVID-19, parece ser uma hipótese bastante plausível que essas pessoas se tornem um alvo para o vírus. Algumas pesquisas demonstram que pessoas em situação de rua com menos de 65 anos, por exemplo, apresentam chances maiores para mortalidade por amplas causas, inclusive com taxas de 5 a 10 vezes maiores que a população geral e a infecção por COVID-19 pode aumentar ainda mais essa disparidade2.

Os transtornos correlatos ao uso de substâncias psicoativas são frequentemente atrelados aos agravos em saúde dos indivíduos que as consomem substâncias psicoativas, sendo os mais prevalentes: HIV/Aids, hepatite B e/ou C, tuberculose, doenças pulmonares ou cardiovasculares, acidente vascular cerebral, câncer e lesões e traumas. Portanto, o consumo de drogas está fortemente associado a graves condições clínicas, além de redução importante do sistema imunológico, deixando o usuário bastante comprometido clinicamente. Outros desdobramentos aos usuários de drogas como estigma e discriminação, resultam em acesso limitado aos recursos básicos necessários ao indivíduo, tais como moradia; emprego; cuidado em saúde; assistência psicológica e social5,6,7.

Nesse sentindo, entidades internacionais como Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) e a Organização Mundial da Saúde (OMS) recentemente publicaram algumas diretrizes, a fim de garantir a continuidade e acesso adequado aos serviços sociais e de saúde as pessoas com Transtorno por Uso de Substâncias durante a pandemia5,6,7.

A seguir algumas orientações:

– Segurança da equipe e dos pacientes nos serviços:

Considerar a necessidade de organizar a prestação de serviços para que os riscos associados ao contato próximo com as pessoas ou qualquer outra forma de reunião social sejam minimizados. 

– Limpeza e a higiene das instalações dos serviços:

Superfícies e objetos limpos regularmente com desinfetante; lavagem regular e completa das mãos por funcionários e pessoas que visitam os serviços promovidos.

– Promoção da informação e dos meios para que as pessoas possam se proteger em todas as ocasiões possíveis:

Informar trabalhadores(as) e pessoas em contato com os serviços que, se a Covid-19 começar a se espalhar em sua comunidade, qualquer pessoa com tosse leve ou febre baixa (37,3 C ou mais) precisa ficar em casa.

– Continuidade da terapia farmacológica:

Considerar medidas para o acesso contínuo a todos os medicamentos, incluindo: reabastecimento, entrega em domicílio, medicamento para uso doméstico, prescrições estendidas e formulações de liberação prolongada.

– Continuidade da atenção psicossocial:

Se as terapias, incluindo a terapia de grupo, precisarem ser suspensas, considerar a possibilidade de fornecer contato à distância 3 (por exemplo, por telefone ou internet) 4, 5 e/ou individualmente para fornecer aos pacientes os cuidados e suporte necessários.

– Apoio às pessoas sem-teto, incluindo pessoas com transtornos relacionados ao uso de drogas:

Dar abrigo tendo em mente a orientação de distanciamento social, sempre que possível; distribuir equipamento de segurança e higiene sempre que possível e garantir o acesso às medidas básicas de prevenção recomendadas pela OMS.

– Em nenhuma circunstância deve ser negado a qualquer pessoa o acesso aos cuidados de saúde com base no fato de que ela usa drogas!

 

No que tange ao cenário de acolhida e tratamento as pessoas em situação de rua e que apresentam comportamentos aditivos, as Comunidades Terapêuticas (CTs), têm se mostrado um recurso fundamental em meio à pandemia, sobretudo, após o alerta da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre aumento exponencial de problemas psiquiátricos durante e após a pandemia8,9,10.

Em março de 2020 o Ministério da Cidadania publica a “Cartilha de Orientação para as Comunidades Terapêuticas sobre o Coronavírus”11, que passa a ser o referencial legal para os acolhimentos em CTs, no Brasil. Logo, após a mesma Instituição cria a portaria nº 34012, fundamentando protocolos e diretrizes a fim de nortear o trabalho da equipe técnica em CTs:

– As Comunidades Terapêuticas, a partir desse mês, são consideradas dispositivos essenciais aos cuidados de pessoas acometidas ao Transtorno por uso de Substâncias;

– Os acolhidos que residem na Instituição não podem sofrer interrupção ao tratamento; 

– Mediante suspeita ou confirmação de COVID-19, o acolhido deve ser encaminhado imediatamente ao serviço de saúde mais próximo; 

– As CTs que não tiverem condições para realizar o isolamento de acordo com o estabelecido no “Protocolo para Manejo Clínico para o Novo Coronavírus (2019-nCoV)” do Ministério da Saúde, não deverão realizar novos acolhimentos; 

– Visitas familiares, bem como a prática da ressocialização não são orientadas por prazo indeterminado; 

– Medidas de prevenção devem ser realizadas sobre COVID-19 e possíveis desdobramentos da doença, a fim de informar e capacitar equipe técnica a melhor forma de orientar os acolhidos que residem na Instituições; 

– As CTs, obrigatoriamente, precisam suspender a participação de pessoas que não fazem parte da equipe cotidiana de apoio; 

Especialistas em Transtorno por Uso de Substâncias sabem o quão desafiador é engajar ao tratamento os usuários de drogas. A pandemia tem exigido ainda mais a capacidade de flexibilidade e doação ao próximo. As novas barreiras que surgem, parecem, muitas vezes, ser inesgotáveis. Os locais que oferecem tratamento adequado ficaram ainda mais escassos durante o período de isolamento social. Após a flexibilização de medidas mais rígidas de isolamento social, ainda o desafio permanece frente a questão abordada. As CTs credenciadas e fiscalizadas parecem ser uma valiosa opção de encaminhamento, acolhida e tratamento mesmo diante de realidades dramáticas, tais como: a falta de recursos financeiros, alta rotatividade entre a própria equipe técnica da Cts, a baixa adesão ao tratamento pelos acolhidos gerando abandono das Instituições. As CTs modernas são atualmente consideradas uma estrutura sofisticada de arsenal terapêutico que oferece efetiva abordagem de tratamento a usuários drogas. Assim, será possível contribuir trazendo resultados profícuos no estilo de vida dos seus frequentadores, sobretudo por serem indivíduos que apresentam, na maioria das vezes “sede” de sentido e “fome” de transcendência.

Referências Bibliográficas 

  1. The Council of Economic Advisers The State of Homelessness in America, 2019. https://www.whitehouse.gov/wp-content/uploads/2019/09/The-State-of-Homelessness-in-America.pdf.
  2. Baggett TP, Hwang SW, O’connell JJ. Mortality among homeless adults in Boston: shifts in causes of death over a 15-year period. JAMA Intern Med. 2013;173:189–195.
  3. Hwang SW, Ueng JJ, Chiu S. Universal health insurance and health care access for homeless persons. Am J Public Health. 2010;100:1454–1461.
  1. https://www.unodc.org/documents/17-01904_Rural_treatment_ebook.pdf
  2. https://www.cms.gov/newsroom/fact-sheets/medicare-telemedicine-health-care-provider-fact-sheet
  1. https://www.un.org/sites/un2.un.org/files/un_policy_brief-covid_and_mental_health_final.pdf
  2. https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=6170:onu-destaca-necessidade-urgente-de-aumentar-investimentos-em-servicos-de-saude-mental-durante-a-pandemia-de-covid-19&Itemid=839

Leave a Reply