Estudos mostram que os usuários de drogas tendem a se unir como um grupo e resistirem, voltando sempre ao local. Somente ações policiais não conseguirá dar fim a situação

Assessoria ABEAD

Nas últimas semanas, os noticiários deram conta de novos episódios de depredação de ônibus, pagamento de pedágio para as pessoas transitarem pelo local e reiteradas e sistemáticas cenas de violência na região da Cracolândia, no centro de São Paulo. No entanto, os avanços quase diários das Polícias e órgãos públicos não conseguem conter a retomada do espaço e muito menos trazer a normalidade que a população espera.

Para a psiquiatra e presidente da Associação Brasileira de Estudos de Álcool e Drogas (ABEAD), Alessandra Diehl, será preciso mais que ação policial para coibir a Cracolândia.  Segundo ela, as cenas abertas de uso de drogas representam desafios para profissionais de saúde, gestores e formuladores de políticas públicas, especialmente em países de baixa e média renda. “No entanto, as cenas abertas também podem ser encontradas na maioria das grandes cidades da Europa. Assim como, na América do Norte, a Downtown Eastside de Vancouver abriga a maior cena aberta de consumo drogas do Canadá. Parece haver forças que mantêm essas comunidades unidas, independentemente das substâncias usadas, causando problemas de ordem pública, levando ao recrutamento de e marginalização de jovens para consumo ou venda de drogas e induzindo a sensação crescente da população de sentimento de insegurança”, aponta.

De acordo com dados da ABEAD, a Cracolândia de São Paulo é a mais antiga (1989) e a mais densamente povoada, com 500 moradores e mais de 2.000 visitantes regulares. São praticamente 33 anos de existência e, apesar de várias estratégias utilizadas ao longo deste período, segue resistindo. “O Brasil tem o maior mercado de crack do mundo já que mais de 1 milhão de brasileiros consomem esta droga. Existem 370 mil usuários regulares de crack vivendo nas 26 capitais e no Distrito Federal e, aproximadamente, 80% deles usam drogas em locais públicos”, explica a psiquiatra.

Diehl diz que, embora alguns estudos internacionais tenham descrito várias maneiras de gerenciar cenas abertas de drogas, como aplicação da lei e intervenções sociais, há conhecimento limitado sobre os facilitadores e barreiras que promovem ou impedem a implementação de tais intervenções. “Os estudos em cenas abertas mostram que os usuários de drogas tendem a se unir como um grupo e resistirem ao que chamam de ‘pessoas normais’ que passam, assim como demonstram a importância de compartilhar drogas e serviços e aderir às regras de conduta criadas nos locais”.

A experiência de estar à margem da sociedade e a necessidade de ocultar algumas de suas atividades promovem, de acordo com a presidente da ABEAD, a criação de regras e rituais próprios para quem consome drogas em cenas abertas. “Essas regras e rituais podem ser considerados como ‘rituais de interação’. Eles fornecem aos participantes os símbolos de associação ao grupo, energia emocional e solidariedade grupal. Isso torna difícil sair de cena e pode explicar por que aqueles que o fazem voltam com frequência”, explica.

“Para aumentar a possibilidade de implementação bem-sucedida de intervenções para combater o tráfico aberto de drogas, políticos e autoridades devem prestar atenção à colaboração entre atores-chave, alocação de recursos suficientes, possível modificação da política que rege os deveres profissionais e fornecimento de medicamentos para a vulnerabilidade de indivíduos sem residência que circulam nestes locais. Além disso, instalações de tratamento suficientes devem ser fornecidas quando atividades de aplicação da lei contra as cenas de drogas abertas forem planejadas”, afirma.

Segundo a psiquiatra, um consenso político parece ser um pré-requisito para uma ação efetiva. “Uma característica central que deve ser compartilhada é que a dependência de drogas precisa ser encarada como um problema de saúde pública. Prevenção, redução de danos e tratamento devem ser combinados com a aplicação da lei com base na cooperação entre polícia, saúde e serviços sociais. O objetivo deve ser a ‘coexistência’ entre a sociedade e os usuários de substâncias ilícitas que precisam entrar em tratamento através de estratégias baseadas em vários anos de planejamento e esforços conjuntos. Não existe um salvador da pátria ou uma bala de prata que de fim ao contexto da Cracolândia, sem esses investimentos”, explica.

Porém, a falta de políticas públicas para o tratamento da saúde mental e drogadição no país é um dos grandes gargalos apontados pela ABEAD. Sem recursos, os serviços, na maioria dos Estados, estão sucateados.

“As políticas públicas de saúde mental no Brasil seguem tendo um subfinanciamento. E, sem saúde mental, não há saúde. Os serviços que não estão sucateados na área, estão respirando por meio de bombas de oxigênio para tentar sobreviver com o baixo repasse de verbas”, aponta a presidente da ABEAD.

Outro fator que afeta o setor, segundo a associação, é a fragilidade das ações em andamento diante das mudanças na gestão do setor. “Temos uma certa instabilidade, por vezes, das políticas de Estado que não têm garantia de continuidade a cada novo governo que entra”, ressalta Diehl.

De modo geral, a ABEAD afirma que a rede de atenção psicossocial que dá suporte ao tratamento carece de organização. “Embora o trabalho exista em determinados territórios deste imenso Brasil, a rede de atenção psicossocial ainda é frágil e muitas vezes desunida”, afirma a presidente.

DEBATE NACIONAL – O XXVII Congresso Brasileiro da ABEAD,  de acontece de 03 a 06 de setembro, em São Paulo, tem entre os desafios ampliar a oferta de boas práticas clínicas com base em evidências por equipes qualificadas.  “Existe uma carência imensa de treinamento em adições no nosso país. Precisamos garantir acesso mais rápido a cuidados, consultas ambulatoriais e leitos para uma demanda de pacientes cada vez mais crescente”, justifica Diehl.

SOBRE A ABEAD – Atualmente, com sede em Porto Alegre, RS, a Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (ABEAD) reúne psiquiatras, assistentes sociais, enfermeiros, psicólogos, advogados, líderes comunitários, conselheiros, professores, entre outros profissionais, que trabalham com Transtornos por uso de substâncias e dependências comportamentais no Brasil e no exterior.

Criada oficialmente em 1989, a preocupação dos profissionais da área da saúde em relação ao álcool surgiu no final dos anos 1970, em São Paulo, como um grupo interdisciplinar. Já no início da década de 1980 realizou o primeiro encontro nacional e, em seguida, ampliou o foco de estudos para outras drogas e as dependências comportamentais.

Hoje a ABEAD é referência na discussão e implementação de  políticas de prevenção e tratamento do uso de drogas no Brasil e na América Latina. O Congresso, maior evento da associação, é realizado a cada dois anos.

Acesse https://abead.com.br e saiba mais.

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