Boas práticas para integrar ações de espiritualidade de forma respeitosa, inclusiva e afirmativa na dependência química.

 

Autora:  Alessandra Diehl

Nas últimas décadas, tem havido crescente interesse por estudos e por práticas que tentam compreender o papel da fé e da espiritualidade na prevenção do uso de álcool e outras drogas por indivíduos que nunca experimentaram essas substâncias. Assim como, na busca de respostas de como integrá-los de forma adequada nas ações de cuidados de pessoas e, sobretudo, no papel das mesmas no processo de recuperação daqueles que já têm severos problemas com o uso de drogas e tentam interromper o consumo.

Na área da religiosidade e espiritualidade, tem se dado muita atenção aos aspectos multidimensionais desta questão em cada indivíduo. Muito tem se falado em dimensões antes ignoradas, como esperança, gratidão, perdão, compaixão, autocompaixão, altruísmo, superação religiosa ou mesmo coping religioso. Coping religioso descreve o modo como os indivíduos utilizam sua fé para lidar com os diversos estresses e os problemas que surgem em nossas vidas. Atualmente, diversas escalas são capazes de avaliar diferentes dimensões dentro do tema espiritualidade/religiosidade. Vários pesquisadores também têm sido muito felizes em demonstrar em diversos estudos que uma maior religiosidade e espiritualidade, em diferentes dimensões de avaliação, são fatores de proteção para os transtornos relacionados ao uso de substâncias, bem como para outros tipos de comportamentos.

Por este motivo é que importantes associações têm promovido debates, discussões e orientações de como os profissionais da saúde, da assistência social, servidores e equipes multidisciplinares de comunidades terapêuticas podem lidar de forma respeitosa, inclusiva e afirmativa com esta dimensão da vida das pessoas que por ventura buscam ajuda para algum problema psiquiátrico, incluindo os transtornos por uso de substâncias sem que haja qualquer imposição de crença, fé ou religião. Entre as boas práticas preconizadas a temática nos alerta para que não ocorra de nenhuma forma intolerância religiosa.

Entende-se por intolerância religiosa qualquer forma de desrespeito ao direito das pessoas de manterem as suas crenças religiosas. Podemos considerar como atos intolerantes as ofensas pessoais por conta da religião ou as ofensas contra liturgias, cultos e outras religiões. Ações que podem resultar em violência, como agressões físicas e depredação de igrejas, templos e terreiros. Esta questão é extremamente relevante, uma vez que no Brasil, a intolerância religiosa tem tomado proporções alarmantes no nosso país. Dados governamentais apontam que uma denúncia de intolerância religiosa ocorre a cada 15 horas no Brasil. O disque 100, número destinado à denúncia gratuita de intolerância religiosa tem maioria de registros em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, respectivamente. Além disto, os crimes têm ocorrido predominantemente com religiões de matizes africanas. Este cenário precisa ser mudado. A diversidade religiosa deveria ser celebrada e respeitada!

Por isso que existe a necessidade de uma consideração cuidadosa das crenças e práticas religiosas dos indivíduos que buscam por ajuda para interromper o uso de drogas. Esta investigação deve ser rotineiramente realizada como um componente essencial na coleta da história clínica por parte dos profissionais que atuam nos serviços. A compreensão da religião e da espiritualidade e sua relação com a morbidade e o tratamento da dependência química também devem ser considerados como componentes essenciais do treinamento profissional e no desenvolvimento profissional contínuo.

A abordagem da religião e da espiritualidade deve ser centrada na pessoa. Os profissionais não devem usar sua posição profissional para fazer proselitismo por visões de mundo espirituais ou seculares. Deve-se esperar que os profissionais sempre respeitem e sejam sensíveis às crenças/práticas espirituais/religiosas dos pacientes/acolhidos e das famílias e cuidadores de seus pacientes/acolhidos. Os profissionais, quaisquer que sejam suas convicções pessoais, devem estar dispostos a trabalhar com líderes/membros de comunidades religiosas, capelães e agentes de pastoral em apoio ao bem-estar de seus pacientes. Devem também encorajar seus colegas multidisciplinares a fazerem o mesmo. Os profissionais devem demonstrar consciência, respeito e sensibilidade à importância que a espiritualidade e a religião desempenham para muitos funcionários e voluntários na formação de uma vocação para trabalhar no campo dos cuidados da dependência química. Os profissionais devem ter conhecimento sobre o potencial de benefícios e danos das visões de mundo e práticas religiosas, espirituais e seculares e estar dispostos a compartilhar essas informações de maneira crítica, mas imparcial, com a comunidade em geral, em apoio à promoção da saúde e bem-estar.

As notícias sobre o encontro da fé a da ciência têm sido muito promissoras e animadoras. No entanto, as boas práticas incluem também a necessidade de se seguir ampliando as pesquisas sobre religião e espiritualidade, especialmente em suas aplicações clínicas. Esses estudos devem abranger uma ampla diversidade de origens culturais e geográficas. Essa boa notícia inclui o crescimento da ciência sobre os fatores conhecidos para melhorar o sucesso na recuperação, como melhor qualidade de vida, autoeficácia e a espiritualidade.

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