Por Alessandra Diehl
Esta semana assisti duas minisséries no Netflix, uma delas foi “Griselda”, vivida pela bela colombiana Sofia Vergara e a outra foi a minissérie nacional “Coisa mais linda” e fiquei muito impressionada com a quantidade de cigarros que as personagens, sobretudo as femininas, fumam ao longo dos episódios nas duas séries. Para se preparar para o papel, Sofia Vergara foi além e até mesmo começou a fumar, apesar de afirmar nunca ter pegado um cigarro em sua vida. Por exemplo, ela teve que aprender a fumar. Sofia nunca tinha fumado em sua vida. Segundo Vergara, os cigarros cenográficos eram de ervas, sem nicotina, no entanto, estes produtos costumam não ter tabaco, mas não estão isentos de riscos, principalmente, pela combustão e aspiração de fumaça aos pulmões.
Em ambas as minisséries, o cigarro é quase que um personagem a mais nas duas tramas de tanto valor e simbolismo que é dado a ele. Parece também que as personagens femininas só conseguem seu empoderamento e pertencimento em universos masculinizados através do fumar.
Sabemos que os problemas sociais e de saúde relacionados com o álcool são prevalentes em quase todas as sociedades que consomem álcool e a presença do consumo de álcool nos filmes é um marketing já bastante conhecido da indústria do álcool. O mesmo se aplica à prevalência do tabagismo nas produções cinematográficas. Os filmes estão entre os meios de comunicação mais utilizados para atividades publicitárias, promocionais e de patrocínio da indústria do tabaco, e a indústria tem feito enormes investimentos neste setor há muitos anos.
Apenas para se ter uma ideia um estudo que avaliou o conteúdo relacionado ao tabaco e ao consumo de álcool na série e filmes “O Santo” da década de 60 já mostrava que o personagem principal fuma em 81,9% dos episódios e consome álcool em 87,1% dos episódios e resultados semelhantes foram para os atores coadjuvantes. O tempo médio até o primeiro cigarro e a primeira bebida variou de 0,5 a 40 minutos e de 0,5 a 40,5 minutos, respectivamente.
Investigações científicas já têm nos mostrado a influência da cultura cinematográfica no tabagismo dos jovens sugerindo que os filmes podem colocar os jovens em risco de iniciação ao tabagismo até mesmo a exposição ao conteúdo de tabaco em programas da Netflix e de transmissão ou TV a cabo e o início do uso de tabaco combustível ou cigarro eletrônico entre os jovens.
Pesquisa conduzida por Morgane Bennett e colaboradores em 2020 com uma amostra longitudinal (N = 4.604) de jovens com idades entre 15 e 21 anos no início do estudo foi avaliada sobre a exposição a programas episódicos previamente analisados para a presença de tabaco e subsequente uso de tabaco combustível e cigarros eletrônicos. Os resultados sugerem uma relação dose-resposta entre a exposição ao tabaco e o início da vaporização, segundo a qual quanto maior a exposição, maiores as chances de início subsequente. Os resultados deste estudo sugerem que a exposição ao tabaco em programas episódicos pode impactar o uso futuro de cigarros eletrônicos.
Por todos estes motivos, é necessária uma monitorização contínua do impacto do conteúdo do tabaco em programas episódicos, à medida que o número de programas disponíveis continua a aumentar. Destaca-se a necessidade de maiores esforços políticos e de advocacy para reduzir a exposição dos jovens ao conteúdo do tabaco e dos cigarros eletrônicos em todas as plataformas de mídia, incluindo as cinematográficas.
Alessandra Diehl
Psiquiatra, mestre e doutora pela UNIFESP, pós doutora pela USP de Ribeirão Preto. Especialização em dependência química e sexualidade humana. Membro do Conselho Consultivo da ABEAD