A legalização da droga no Brasil e as experiências em Portugal, Canadá e EUA serão temas discutidos no dia 5

 Assessoria Abead 

Legalizar ou não a maconha? Descriminalizar o porte de drogas ou manter a legislação ou continuar tratando os usuários como criminosos? Esse é o debate que tem tomado conta do legislativo federal e também do judiciário, neste ano. Porém, antes que isso aconteça, é preciso conhecer todos os lados da questão. A Legalização da Maconha – Caminhos e Descaminhos é o tema que será debatido no dia 5, dentro XXVII Congresso da ABEAD (Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Drogas) que começa dia 3, em São Paulo.  O debate vai mostrar dados sobres a experiência do processo em Portugal, Estados Unidos e Canadá e especialistas da área vão apontar as controvérsias que envolvem o uso da maconha relacionadas ao risco de transtornos psiquiátricos.

De acordo com o Relatório Mundial sobre Drogas de 2023, o consumo de maconha aumentou em várias partes do mundo. Fatores como a maior aceitação da sociedade em relação à cannabis por conta do uso medicinal e a legalização da droga em alguns países contribuíram para o crescimento da demanda.

A polêmica sobre legalizar ou não levou o Ministério da Cidadania do Governo Jair Bolsonaro, em 2021, a elaborar  a cartilha  Argumentos contra a legalização da maconha – Em busca da racionalidade perdida: uma abordagem baseada em evidências científicas

O documento afirma que no “ranking de consumo de maconha no mundo”, o Brasil ainda ocupa uma posição bastante periférica, em comparação a outros países como o Canadá e Nova Zelândia, onde mais de 40% da população já usaram maconha na vida. A estimativa é que cerca de 192 milhões de pessoas usam cannabis no mundo, o que demonstra que a droga seja tão popular quanto o álcool e o tabaco.

Como o mercado brasileiro não está nem mesmo entre os 30 maiores consumidores mundiais, é considerado extremamente promissor para os “grandes grupos” interessados na legalização da maconha, afirma o documento. Citando dados do II Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (LENAD), a estimativa da cartilha é de que menos de 9 milhões de brasileiros (adolescentes e adultos) usaram maconha, em 2014.

Canadá registrou maior índice de consumo de maconha no mundo

Especialista em dependência química, o psiquiatra Cláudio Jerônimo é um dos autores da cartilha do governo federal e palestrante do debate sobre a legalização da maconha no Congresso da Abead, em São Paulo.  De acordo com o psiquiatra, desde que o Canadá aprovou uma lei (cannabis act) que regulamenta o uso de cannabis para fins não medicinais, em 2017, a demanda pelos serviços médicos foi ampliada. “A percentagem de procura nos centros de emergências, principalmente, por crianças expostas a cannabis aumentou enormemente no período pós legalização”, constata.

Por outro lado, no mercado houve valorização do produto com a legalização da posse, produção, distribuição, venda, importação e exportação da cannabis considerando a classe de maconha, a quantidade para cada tipo; a idade; e principalmente onde e de quem a droga pode ser obtida.  “O preço da cannabis legal aumentou enquanto da cannabis ilegal caiu. Uma pesquisa, realizada em 2020, apontou que 17% dos canadenses com 16 anos ou mais (portanto menores de idade) relataram usar cannabis nos últimos 30 dias. No ano seguinte (2021) a maioria desses adolescentes (57%) relatou obter a maconha de fonte ilegal e, neste caso, a lei prevê sanções variadas dependendo do parágrafo infringido podendo chegar a prisão”, destaca Cláudio Jerônimo.

EUA, estudos aponta altos índices no teor de THC

Nos Estado Unidos, o uso da maconha depende de cada estado. Em 23 deles, a substância é legalizada. As consequências deste processo serão analisadas pelo psiquiatra Sérgio Nicastri. “Nos Estados Unidos, onde cada estado tem sua legislação, alguns liberam todo tipo de uso, alguns apenas o assim chamado ‘uso medicinal’. Pela lei federal de lá, continua tão proibido quanto sempre foi, o que atrapalha os negócios envolvendo o sistema bancário”, destaca Sérgio Nicastri, doutor em Medicina pela Universidade de São Paulo, mestre em Saúde Pública pela Universidade Johns Hopkins (EUA).

Nicastri constata ainda que um dado muito conhecido entre quem trabalha na área, mas que não é bem divulgado pela imprensa, é o aumento enorme no teor de THC, a substância da maconha que produz os efeitos que os usuários procuram, mas também complicações psiquiátricas.

No início da década de 1990, a média do teor de THC era de menos de 4%, passando de 15% em 2018, ao passo que o teor do CBD (uma substância potencialmente protetora) vem sendo reduzido. Além disso, outros produtos derivados da planta, tais como resina (haxixe, “hash”), óleos (“hash oil”) e mesmo canabinoides sintéticos (alguns muitas vezes mais potentes do que o THC) têm ficado mais disponíveis, assim como produtos comestíveis (“edibles”). “O uso de vaporizadores também tem se popularizado entre usuários de maconha, com risco de efeitos sérios sobre a saúde dos consumidores, recentemente relatados com essa forma de uso”, diz Sérgio Nicastri, em artigo. Há vários estudos que revelam uma sólida associação entre o uso dessa droga por adolescentes e o aparecimento de psicoses como a esquizofrenia.

“As pessoas que cultivam a Cannabis têm feito cruzamentos que geram plantas que produzem cada vez mais THC (substância perigosa) e cada vez menos CBD (substância com potencial terapêutico). Sem falar na facilidade de se comprar a flor (onde se concentra o THC) e o haxixe, que são produtos mais ricos em THC do que o que eles chamam de prensado. Esse dado é medido nos EUA, onde são feitas pesquisas, mas a gente observa aqui também”, ressalta Nicastri.

“Portugal organizou a descriminalização e não a liberação”

O psiquiatra Marcelo Priante Pintos, que irá apresentar dados sobre a situação em Portugal no Congresso, reconhece que há um grande interesse no potencial do mercado brasileiro. “Eu percebo que há um movimento intenso no Brasil sobre o negócio da maconha. Só pensar em lucro não vai resolver o que há por vir. Acredito que para ocorrer a descriminalização da maconha é necessário estabelecermos uma rede de saúde mental eficaz, que possa atender aos pacientes existentes e, posteriormente, lidar com aqueles que chegarão devido ao aumento do consumo”, pondera.

Para Marcelo Priante Pintos, a liberação ou descriminalização da maconha podem gerar mais problemas de saúde pública. “Em média, de 15% a 20% dos usuários de quaisquer substâncias psicoativas que causam dependência desenvolvem algum transtorno psiquiátrico no decorrer da vida. Fica claro que só observamos os 85% que não apresentam alterações. Aqueles que ficam doentes não fazem ‘propaganda’ que estão em tratamento. Imagina aumentar em 15% as doenças mentais entre os usuários de maconha. Não conseguimos lidar com os pacientes que já têm doenças mentais, neste momento”, constata.

Em Portugal, a lei considera a posse de drogas como uma infração administrativa, estabelecendo critérios objetivos para cada substância. No caso da maconha, por exemplo, a posse de até 25 gramas é considerada para uso pessoal e o indivíduo é encaminhado a um órgão administrativo, onde os casos mais simples são resolvidos de forma rápida. “Portugal organizou a descriminalização e não a liberação. A droga continua ilegal, mas o uso é descriminalizado. Ainda ocorrem prisões por tráfico de drogas ou para usuários com quantidades acima do permitido”, ressalta Priante Pintos.

Segundo ele, desde março de 1997, a rede de serviços públicos portugueses para o tratamento e reinserção de toxicodependentes garante acesso a cuidados de prevenção, tratamento e reinserção social e profissional para todos os afetados pela dependência química. “Em Portugal, o número de doentes continua a aumentar, mas há tratamento para todos”, frisa o psiquiatra.

Adições, um problema da sociedade

O Congresso da Abead é bianual e traz desta vez o tema “Diversidade: Eu, Tu, Eles…É Nós” para enfatizar que a adicção não é um problema apenas do usuário, mas de toda a sociedade e que é necessário uma soma de esforços para alcançar o objetivo comum: garantir políticas públicas coerentes e modernas, com assistência de qualidade às pessoas com transtornos por uso de substâncias e comportamentais e a seus familiares.

De acordo com a presidente da ABEAD, a psiquiatra Alessandra Diehl, o debate deste tema é imprescindível diante da realidade brasileira na gestão das políticas públicas relacionadas ao tratamento, que ainda é cercado de ações sem suporte prático. “A ideia é que possamos englobar os mais diversos aspectos sendo debatidos não só no âmbito da saúde, mas também do Direito, da Assistência Social, da Enfermagem, com participação também de representantes do surf, do skatismo, entre outros. O Eu, Tu, Ele…é Nós! é para entender que todos são importantes para a construção dessa rede”, explica.

O Relatório Mundial sobre Drogas 2023, lançado pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) em junho, mostra que, globalmente, mais de 296 milhões de pessoas usaram drogas, um aumento de 23% em relação à década anterior. O número de pessoas que sofrem de Transtornos por Uso de Substâncias (TUS), enquanto isso, disparou para 39,5 milhões, um aumento de 45% em 10 anos.

O XXVII Congresso da ABEAD será realizado de 3 a 6 de setembro, no Centro de Convenções Rebouças, em São Paulo, capital. A cerimônia de abertura e palestra magna acontecem na segunda-feira (04/09), a partir das 19h. Na palestra magna “Traduzindo ciência em políticas públicas: desafios da área das dependências” estará um dos maiores especialistas em dependência química no Brasil e doutor em Clínica Médica José Manoel Bertolote, que vai abordar a questão dos tratamentos oferecidos nas redes pública e privada do país.

“A palestra magna irá informar os gestores da área sobre como fazer políticas públicas baseadas em evidências. Em outras palavras, é importante que os gestores compreendam que já existem boas práticas que funcionam em outros países e que as decisões não precisam mais ser baseadas em ‘achismos ou ideologias’, mas em evidências”, afirma Alessandra Diehl.

No total, no Congresso da ABEAD serão realizadas 176 palestras com profissionais especialistas e renomados de várias regiões do Brasil, referências dos setores público e privado, universidades, organizações não governamentais, organizações de assistência social, do direito, da educação e de saúde. Participam também palestrantes de  organizações internacionais dos Estados Unidos, Canadá, Portugal, Argentina, México e Chile.

Veja todas as informações sobre o evento e programação completa no site

 

SOBRE A ABEAD

 Atualmente, com sede em Porto Alegre, RS, a Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (ABEAD) reúne psiquiatras, assistentes sociais, enfermeiros, psicólogos, advogados, líderes comunitários, conselheiros, professores, entre outros profissionais, que trabalham com Transtornos por uso de substâncias e dependências comportamentais no Brasil e no exterior.

Criada oficialmente em 1989, a preocupação dos profissionais da área da saúde em relação ao álcool surgiu no final dos anos 1970, em São Paulo, como um grupo interdisciplinar. Já no início da década de 1980 realizou o primeiro encontro nacional e, em seguida, ampliou o foco de estudos para outras drogas e as dependências comportamentais. Hoje a ABEAD é referência na discussão e implementação de  políticas de prevenção e tratamento do uso de drogas no Brasil e na América Latina. O Congresso, maior evento da associação, é realizado a cada dois anos.

Acesse www.abead.com.br e saiba mais.

Assessoria de imprensa: Phonema Editoração

Jornalistas responsáveis: Suzi Bonfim (65) 99989-4693/Telma Elorza (43) 99106-8902

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