Por Aline Coraça
O processo de luto é uma experiência inerente à condição humana, um estágio que todos eventualmente atravessarão. Ele emerge como uma resposta emocional à perda de algo ou alguém de grande significado em nossas vidas, desencadeando uma ampla gama de reações que variam desde profunda tristeza até a busca de estratégias para enfrentar essa dor. É importante destacar que o luto não segue uma trajetória linear, e é comum que muitas pessoas recorram ao uso de substâncias lícitas e ilícitas, como álcool e drogas, como uma maneira de enfrentar essa dor.
Independentemente do vínculo, seja um membro da família, amigo próximo, irmão, ou até mesmo um animal de estimação, a dor da perda é uma experiência única e singular. Quando o luto se instala, ele sinaliza a ruptura de um vínculo de amor profundo. Essa dor tem o poder de evocar saudade e uma miríade de sentimentos, colocando-nos diante dos mistérios da vida e da morte. É uma experiência transformadora que nos obriga a confrontar nossas emoções mais profundas, buscando entendê-las.
À medida que avançamos pelo processo de luto, começamos a redescobrir a vida sem a presença daqueles que partiram. Nos adaptamos à sua ausência e gradualmente reconstruímos nosso mundo naquela nova realidade.
É alarmante que raramente falemos sobre a intensidade da dor da perda e a dificuldade de expressar seu impacto. As pessoas próximas a nós, muitas vezes, não estão preparadas para oferecer o apoio necessário, uma vez que não fomos ensinados a lidar com o luto. O que realmente necessitamos é um espaço de compreensão e empatia, onde possamos expressar nossos sentimentos, sem medo de julgamento. Enfrentar a dor emocional é uma experiência que nos ajuda a lidar com questões mais complexas da vida, nos torna tolerantes, além de nos auxiliar no exercício de reconhecimento da satisfação e felicidade no aqui e agora.
Pesquisas demonstram que o luto pode aumentar o risco de abuso de substâncias psicoativas. A intensa dor, a depressão e a ansiedade associadas ao luto podem levar algumas pessoas a buscar alívio com o uso de substâncias como álcool, opioides ou outras drogas. Isso ocorre porque essas substâncias têm o potencial de induzir uma sensação de euforia e temporariamente anestesiar a dor emocional, assim usar uma “droga” é uma estratégia de enfrentamento negativa, em decorrência dos prejuízos e riscos associados ao uso.
Contudo, é importante destacar que nem todas as pessoas que enfrentam esse processo doloroso recorrem ao uso de substâncias. Fatores de risco, como histórico de abuso de substâncias ilícitas, falta de apoio social e ausência de estratégias saudáveis de enfrentamento, desempenham um papel significativo nesse processo. Por outro lado, fatores de proteção incluem apoio familiar, social, resiliência e a busca por ajuda profissional.
Os profissionais de saúde mental desempenham um papel fundamental na prevenção e tratamento do abuso de substâncias durante o luto. Eles podem auxiliar as pessoas na elaboração de estratégias saudáveis de enfrentamento, oferecer suporte emocional e identificar potenciais problemas em decorrência do uso.
Para aqueles que já enfrentam o transtorno por uso de substâncias, o processo de luto pode dificultar a adesão ao tratamento. Portanto, é essencial que os profissionais de saúde considerem o luto como uma parte integral do processo terapêutico, abordando as questões emocionais e os gatilhos que podem contribuir para o uso de substâncias.
Em resumo, o luto é um processo natural. O sofrimento é um desafio para todos. No entanto, é vital lembrar que o uso de substâncias não é a estratégia adequada para enfrentá-lo. A busca por apoio profissional e o acesso a serviços de saúde mental são cruciais para ajudar as pessoas a enfrentar a dor emocional de maneira saudável e segura, reduzindo o risco de desenvolvimento de comportamentos aditivos.
Referências:
American Psychiatric Association. (2013). Diagnostic and statistical manual of mental disorders (5th ed.). Arlington, VA: American Psychiatric Publishing.
Bonnano, G. A. (2004). Loss, trauma, and human resilience: Have we underestimated the human capacity to thrive after extremely aversive events? American Psychologist, 59(1), 20–28.
Bonnano, G. A. (2009). The Other Side of Sadness: What the New Science of Bereavement Tells Us About Life After Loss. Basic Books.
Kübler-Ross, E. (1969). On Death and Dying. Routledge.
Aline Coraça
Terapeuta ocupacional, Especialista em Saúde Mental, Dependência Química e Neuropsicologia, Membro da Diretoria da ABEAD (2023-2025)