Por Alessandra Diehl

A literatura científica é extremamente vasta ao nos apontar que pessoas com doenças mentais graves tais como esquizofrenia, transtorno afetivo bipolar, transtorno depressivo maior e alcoolismo têm uma expectativa de vida reduzida em cerca de 10 a 17,5 anos em comparação com a população em geral. Embora o suicídio explique parte desta redução da esperança de vida, atualmente já está bem documentando que as doenças clínicas são responsáveis pela esmagadora maioria da mortalidade prematura em portadores de doenças mentais graves (Meyfroidt et al., 2019; Biazus et al., 2023).

Entre as condições físicas, as doenças cardiovasculares são as principais contribuintes para as mortes precoces em pacientes com doença mental grave, incluindo risco aumentando de acidente vascular cerebral, infarto agudo do miocárdio, doença coronariana e morte relacionada a doença coronariana atribuídos a índice de massa corporal elevado, uso de antipsicóticos, sedentarismo e tabagismo (Correll et al., 2017). O comportamento sedentário e a baixa atividade física são fatores de risco independentes, mas modificáveis, para doenças cardiovasculares e mortalidade prematura em pessoas portadoras de transtornos mentais graves (Vancampfort et al., 2017).

Soma-se que os transtornos mentais estão fortemente associados a problemas sociais, desigualdades, incluindo pobreza, dificuldades financeiras e baixo nível de escolaridade que também contribuem para piores desfechos de saúde física. Assim como, raça e etnia são importantes determinantes sociais dos transtornos mentais e contribuem para desigualdades no acesso aos cuidados de saúde mental e piores resultados em saúde mental resultantes de barreiras de acesso, preconceitos, diagnóstico tardio, tratamento inadequado e desigualdades socioeconómicas mais amplas na educação e no emprego (Medeiros et al., 2023).

Estudo nacional de coorte retrospectivo que incluiu todos os pacientes internados pelo Serviço de Saúde Pública do Sistema Único de Saúde (SUS) do Brasil entre 1º de janeiro de 2000 e 21 de abril de 2015 fez uma análise da taxa de mortalidade de 72.021.918 pacientes portadores de transtorno mental mostrando um risco relativo para mortalidade por todas as causas em pacientes com doença mental grave de 1,27 (IC 95% 1,27–1,28) e a taxa de excesso de mortalidade foi de 2,52 (2,44–2,61) em comparação com pacientes não psiquiátricos internados durante o período de acompanhamento. O risco foi maior para mulheres e naqueles com idade entre 30 e 59 anos (Melo et al., 2022).

Outro estudo nacional conduzido por Roza et al., (2022) estimou a taxa de mortalidade de uma coorte de pacientes brasileiros após a primeira internação psiquiátrica e tentou determinar os possíveis fatores de risco associados ao excesso de mortalidade. O estudo incluiu uma coorte de pacientes psiquiátricos hospitalizados de 1º de janeiro de 2002 a 31 de dezembro de 2007 na área de abrangência região de Ribeirão Preto, estado de São Paulo, Brasil. Os dados foram vinculados a mortes ocorridas entre 1º de janeiro de 2002 e 31 de dezembro de 2016 da Fundação SEADE (sistema de análise de dados do estado de São Paulo). Os resultados mostram que dos 4.019 pacientes internados (54,76% homens), 803 faleceram (69,74% homens) durante o seguimento (mediana= 11,25 anos). As taxas de mortalidade foram aproximadamente três vezes maiores do que o esperado (2,90, IC 95% 2,71–3,11). A maior taxa de mortalidade foi observada 5 vezes maior em homens com transtornos relacionados ao álcool, do sexo masculino, com idade mais elevada, desempregado) aumentou significativamente o risco de mortalidade por todas as causas. Os anos de vida perdido médio foi de 27,64 anos sendo mais elevado em pessoas com transtornos relacionados a substâncias não alcoólicas (39,22 anos). As causas não naturais de morte foram associadas à cor da pele não branca e aos transtornos relacionados a substâncias.

Portanto, as comorbidades médicas em pacientes portadores de transtornos mentais graves e crônicos têm um impacto significativo e clinicamente importante sobre a mortalidade hospitalar em pacientes psiquiátricos conforme demostrado em vários lugares do mundo. Daí a importância do manejo das condições médicas entre esses pacientes para reduzir o risco de mortalidade hospitalar em instalações psiquiátricas (Myślicka et al., 2021).

Além disso, os pacientes internados em um hospital psiquiátrico representam uma população de alto risco, com um risco de suicídio 40-50 vezes maior em comparação com a população em geral, apesar do tratamento intensivo de internação. Em pacientes hospitalizados com psicopatologia grave, o suicídio ainda permanece difícil de prever devido ao suicídio ser um fenômeno clínico complexo. A incidência de suicídio de pacientes internados em hospital psiquiátrico varia entre 0,06 e 5,66 por 1.000 internações, com idade média de 41 anos (Bowers et al., 2010)

Estudo de caso-controle na Bélgica, os autores descreveram suicídios (n=37) ocorridos durante a internação em um hospital psiquiátrico universitário entre 2007 e 2015 e investigaram fatores preditivos para o suicídio. Naquele país, o suicídio de pacientes internados se mostrou uma condição rara (37 pacientes entre 20.442 períodos de internação entre 2007 e 2015). A maioria dos pacientes internados que cometeram suicídio foi diagnosticada com transtorno de humor (68%); 38% cometeram suicídio no primeiro mês de internação e 19% na primeira semana após a internação. A maioria dos suicídios ocorreu pouco antes ou durante o fim de semana (57%), sendo o enforcamento o método de destaque (41%).

Existe uma carência de estudos nacionais apontando este perfil epidemiológico de mortalidade em hospitais psiquiátricos no Brasil, embora haja um monitoramento e notificação destes óbitos na grande maioria dos hospitais psiquiátricos existentes no país.

Referências

Nancy Meyfroidt, Sabine Wyckaert, Filip Bouckaert, Martien Wampers, Victor Mazereel, Ronny Bruffaerts. Suicide in Belgian psychiatric inpatients. A matched case-control study in a Belgian teaching hospital. Arch Psychiatr Nurs  . 2020 Apr;34(2):8-13.  doi: 10.1016/j.apnu.2019.12.004. Epub 2019 Dec 12.

Christoph U Correll, Marco Solmi , Nicola Veronese 5, Beatrice Bortolato , Stella Rosson , Paolo Santonastaso , Nita Thapa-Chhetri  Michele Fornaro , Davide Gallicchio, Enrico Collantoni, Giorgio Pigato 6, Angela Favaro 6, Francesco Monaco , Cristiano Kohler  Davy Vancampfort , Philip B Ward  Fiona Gaughran  André F Carvalho, Brendon Stubbs. Prevalence, incidence and mortality from cardiovascular disease in patients with pooled and specific severe mental illness: a large-scale meta-analysis of 3,211,768 patients and 113,383,368 controls. World Psychiatry. 2017 Jun;16(2):163-180. doi: 10.1002/wps.20420.

Ana Paula Souto Melo, Ilse N Dippenaar2, Sarah Charlotte Johnson, Nicole Davis Weaver , Francisco de Assis Acurcio , Deborah Carvalho Malta , Antônio Luiz P Ribeiro, Augusto Afonso Guerra Júnior  Eve E Wool , Mohsen Naghavi, Mariangela Leal Cherchiglia. All-cause and cause-specific mortality among people with severe mental illness in Brazil’s public health system, 2000-15: a retrospective study. Lancet Psychiatry. 2022 Oct;9(10):771-781.  doi: 10.1016/S2215-0366(22)00237-1. Epub 2022 Aug 11

Dominika Myślicka, Paweł Zagożdżon, Magdalena Pierucka.Cause-specific mortality and risk factors of death among inpatients of a psychiatric hospital. Psychiatr Pol. 2021 Dec 31;55(6):1207-1219. doi: 10.12740/PP/122356. Epub 2021 Dec 31.

Taís Boeira Biazus, Gabriel Henrique Beraldi , Lucas Tokeshi , Luísa de Siqueira Rotenberg, Elena Dragioti, André F Carvalho 7, Marco Solmi , Beny Lafer . All-cause and cause-specific mortality among people with bipolar disorder: a large-scale systematic review and meta-analysis. Mol Psychiatry. 2023 Jun;28(6):2508-2524.  doi: 10.1038/s41380-023-02109-9. Epub 2023 Jul 25.

Sophia Medeiros , Rony Coelho, Christopher Millett , Valeria Saraceni, Claudia Medina Coeli , Anete Trajman, Davide Rasella , Betina Durovni, Thomas Hone.  Racial inequalities in mental healthcare use and mortality: a cross-sectional analysis of 1.2 million low-income individuals in Rio de Janeiro, Brazil 2010-2016. BMJ Glob Health. 2023 Dec 2;8(12):e013327.  doi: 10.1136/bmjgh-2023-013327.

Daiane Leite da Roza, Marcos Gonçalves de Rezende , Régis Eric Maia Barros, João Mazzoncini de Azevedo-Marques, Jair Lício Ferreira Santos, Lilian Cristina Correia Morais, Carlos Eugenio de Carvalho Ferreira, Bernadette Cunha Waldvogel, Paulo Rossi Menezes 7, Cristina Marta Del-Bem.

Excess mortality in a cohort of Brazilian patients with a median follow-up of 11 years after the first psychiatric hospital admission. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol. 2023 Feb;58(2):319-330. doi: 10.1007/s00127-022-02304-z. Epub 2022 May 31.

Alessandra Diehl

Psiquiatra, mestre e doutora pela UNIFESP, pós doutora pela USP de Ribeirão Preto. Especialização em dependência química e sexualidade humana. Membro do Conselho Consultivo da ABEAD

@dra.alessandradiehl

 

 

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