por Marvim Pereira

Na primeira semana do mês de Julho de 2023, a Associação Brasileira de Estudo do Álcool e outras Drogas (ABEAD) participou de um evento que representa a voz das pessoas em recuperação no Brasil, com a oportunidade de acompanhar mesas onde pessoas em recuperação que são especialistas em Recuperação em pares apresentaram um pouco, realmente apenas uma virgula, do propósito dessa modalidade desempenhada nos Estados Unidos da América (EUA). Procuramos reunir mais informações sobre, para compartilhar com vocês.

Atenção, algumas nomenclaturas e descrições podem fazer com que você confunda de início os assuntos abordados, percebemos muitos tendo essa mesma reação, porém não se engane, ao longo da leitura perceberá que temos características distintas nas atuações desenvolvidas por nós no Brasil e algumas demandas a serem discutidas.

É extremamente importante dizermos que à partir dos trabalhos realizados pelo grupo Faces e Vozes da Recuperação criou-se a oportunidade de pessoas que haviam sofrido e causado muito sofrimento, exporem suas vidas, pois uma vez em recuperação a longo prazo já haviam mudado suas vidas completamente tornando-se pessoas respeitadas e valorizadas na sociedade. Assim, outros começaram a se interessar pelo que eles e elas haviam conquistado e de tal modo começamos a entender o sentido do termo “Comunidade de Recuperação”. Esta terminologia refere-se a um grupo social, com representação pública que defende seus interesses mutuamente apoiando-se. Neste momento fazemos referência a frase que o representante deste trabalho Bem Bass, membro do Faces & Voices of América certa vez disse:

 “…nós somos os especialistas em recuperação…”

Aprofundando mais nas buscas sobre este assunto é possível encontrar no site do Substance Abuse and Mental Health Services Administration (SAMHSA) nos EUA informações sobre o desenvolvimento e apoio de programas e serviços eficazes de recuperação para crianças, jovens, famílias, adultos, idosos e outras populações diversas com transtornos mentais ou por uso de substâncias. Este passo foi realizado quando o SAMHSA recebeu aporte de experiências vividas por pessoas em recuperação que trouxeram suporte de recuperação para escalar estratégias deste órgão responsável pela saúde mental e direitos humanos dos cidadãos americanos. É extremamente importante ressaltar que os envolvidos desempenharam papéis importantes na implementação, desenvolvimento e liderança neste projeto.

Você pode estar se perguntando, mas o que é de fato um “PAR” em recuperação e o que ele faz? O site do Texas Health and Human Service descreve o par em recuperação como uma pessoa em recuperação de saúde mental ou dependências que é treinado por especialistas certificados em pares, em suporte a pares ou em treinador de recuperação e que desempenha papéis em ambientes que oferecem recuperação a longo prazo através de mudanças comportamentais. O Departamento de Serviços Humanos da Pensilvânia também nos informa que um par pode ser uma pessoa que esteja utilizando ou já tenha utilizado serviços de saúde comportamental e que também foi treinada e certificada para desempenhar os papéis atribuídos a esta função.

É possível observar as características que muito provavelmente compõe a grade da certificação destes profissionais, uma vez que eles apresentam as boas práticas do que se faz e do que não se faz um par em recuperação, respeitando a singularidade daquele que recebe as orientações e preservando a integridade daquele que oferece seus conhecimentos.

A primeira menção é de que o profissional não é titulado, ou seja, é apenas uma pessoa em recuperação e a partir desta, outras características desenrolam-se no mesmo sentido. Não dá conselhos profissionais, não vê a pessoa como um caso e não realiza diagnósticos, simplesmente compartilha sua experiência e se coloca como um modelo prático de recuperação a ser seguido. Em seguida, a próxima característica diz muito sobre a forma ética e humanizada de realizar as inserções necessárias, nada de incitar medo, de afirmar o caminho a ser percorrido, muito menos de ser o resultado previsto para o indivíduo, de maneira bastante clara auxilia a encontrar caminhos inspirados na esperança de ser algo atingível. Ainda não sendo a última classificação podemos entender como a parte prática das funções do par, clara e objetivamente mostra que o próprio indivíduo usuário do serviço precisa executar suas tarefas desde as mais básicas até as mais complexas contando com as experiências do par apenas como exemplo para que o próprio tome a decisão por si, e então, por fim a parte de gestão e organização que ensina onde buscar apoio para as diversas atmosferas integradas a questão da saúde mental e das dependências, desenvolvendo metas atingíveis e encontrando formas de obter recursos estruturais. Ressaltamos que existem diversas culturas e filosofias que orientam as pessoas que oferecem suporte de recuperação de pares, essa é apenas uma delas.

Quem pode ser um par em recuperação?

Uma pessoa que seja maior de 18 anos, que tenha experimentado os desafios da vida relacionado a saúde mental ou dependências e que esteja disposto a compartilhar suas experiências de uma forma humana, ética, estruturada e que principalmente inspire pelo bem a esperança de encontrar uma nova forma de viver, a partir daí poderá realizar os treinamentos necessários, deixaremos ao final alguns links pra você que decidir enveredar tal caminho. A recuperação vai muito além do que imaginamos, é um universo infinito de possibilidades e formas, cujo a experiência de alguém pode salvar alguém, ser um par em recuperação é uma ciência da vida.

Recentemente foi publicado um estudo muito interessante que apresenta grandes benefícios que essa categoria de suporte oferece para pessoas em recuperação nos EUA, uma das grandes características que distinguem a atuação do par em recuperação aqui no Brasil é a gama de serviços que utilizam o par em recuperação para integrar seus usuários. Além de serviços de acolhimento e tratamento como Comunidades Terapêuticas, Clinicas Especializadas em Dependência Química e Hospitais Psiquiátricos, lá no EUA também é possível encontrar pares em recuperação atuando em serviços como, equipe de primeiros socorros, pronto atendimentos e atendimentos de emergência médica, sistemas prisionais e penitenciárias, centros comunitários e ainda atuando em ações sociais direcionadas a população usuária de substâncias como, por exemplo, a de redução de danos.

Outra característica dos pares em recuperação que podemos ressaltar é que eles estão representando a comunidade em recuperação gerenciando políticas públicas. No site da Aliança da Recuperação é apresentado vários programas que são fomentados pelos investimentos governamentais, e em grande maioria atuam nessa organização pessoas em recuperação, desde a sua Primeira e também na Atual Diretoria até os colaboradores contratados e voluntários, isso é de uma maravilha imensurável.

A ideia central aqui também está contida no lema “Nada sobre nós sem nós”. Em outras palavras é possível que pares em recuperação defendam que no universo da recuperação não se pode aceitar que os deixem de fora de discussões, decisões e planejamentos, pois possuem muito valor e podem então afirmar que “Nada sobre nós em recuperação seja tratado sem nós em recuperação. Somos peça fundamental para oportunizar suporte e cuidados a outros como nós!”

Nossos desafios ainda são imensos!

Um dos grandes desafios dos profissionais técnicos para essa demanda, como médicos, psiquiatras, psicólogos e outros, é a integração das pessoas ao serviço prestado, por fatores como outros serviços mal realizados e dificuldade de compreensão dos termos abordados, a grande maioria dos usuários de serviços prestados com a integração do par em recuperação apresentam melhores resultados por se sentirem seguros e terem melhores compreensões sobre os assuntos discutidos.

Os desafios desta categoria de suporte a pessoas acometidas pelo transtornos por Uso de Substâncias (TUS) também foram descritos neste estudo, a falta de dados consistentes é uma das grandes características relacionada à essa demanda, a necessidade de uma melhor gestão sobre a identificação das características deste profissional também é um grande desafio, são muitos conceitos e culturas diferentes de atuação do par em recuperação, isso dificulta a criação de um padrão para classificar o trabalho dessas pessoas, com isso a falta de credibilidade, salários baixos e a carga de trabalho excessiva podem ser considerados pontos que precisam serem vistos com urgência.

Certos grupos que oferecem recuperação em pares enfrentam inclusive burocracias administrativas como exigência de relatórios extensos e excessivos que acabam atrapalhando o desempenho operacional dos pares em recuperação, e com isso deixam de se beneficiar dos incentivos financeiros governamentais que poderiam auxiliar a aumentar e melhorarem os serviços prestados.

Outro desafio interessante de se descrever está relacionado ao par em recuperação inserido no ambiente técnico através de equipes interdisciplinares de oferta de cuidados, ainda com o estigma de ser uma pessoa que passou e passa pelos problemas relacionados ao TUS o par em recuperação encontra grandes dificuldades de integrar essas equipes atrapalhando o seu desenvolvimento no serviço prestado.

Conclusão

A força de trabalho especializada em suporte de recuperação por pares em recuperação está ganhando força. Faz-se necessário fomentarmos esse tema, olharmos com muito cuidado e buscarmos formas de cada vez mais melhorar a qualidade e a oferta dessa demanda para que pessoas acometidas pelo TUS possam cada vez mais ter acesso aos serviços disponíveis e consigam de fato desfrutar do que eles oferecem.

É muito importante que o par em recuperação realize treinamentos especializados e credenciados para sua jornada de suporte a pares em recuperação, aprender uma forma correta de executar esse serviço pode diminuir os impactos negativos neste segmento.

Também é necessário que organizações governamentais deem mais atenção para essa demanda e abram mais espaços onde pares em recuperação possam estar presentes representando suas comunidades de recuperação.

 

Referências

Site da Aliança da Recuperação

https://www.recoveryalliance.net/

Site do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA (SAMHSA)

Aba – Trabalhadores de Apoio de Pares para pessoas em Recuperação

https://www.samhsa.gov/brss-tacs/recovery-support-tools/peers

Site do Texas Health and Human Service

Aba – Sobre os serviços de suporte de pares

https://www.hhs.texas.gov/providers/behavioral-health-services-providers/peer-support-services/about-peer-support-services

Site para Certificação de Coach de Recuperação:

https://www.tcbap.org/default.aspx

Site para Peer Certification no Texas:

https://www.viahope.org/

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