É importante realizar uma avaliação singularizada, com a habilidade de reconhecer as sutilezas do relacionamento entre a pessoa e sua forma de consumo de SPA, particularmente para a análise de possível quadro de dependência. O conceito de síndrome presume que nem todos os elementos estarão presentes em todos os casos, mas o quadro é suficientemente regular e coerente para permitir seu reconhecimento entre síndrome e não síndrome. Além disso, avaliar como as manifestações da síndrome são moldadas pela personalidade, influências ambientais e culturais e posteriormente estabelecer graus de severidade.
Este trajeto se inicia no contato do estudante ou profissional interessado em avaliar um paciente em diferentes contextos clínicos, tem como meio a entrevista com o paciente e outras pessoas que possam trazer informações relevantes complementadas pela avaliação do estado mental, e como fim o estabelecimento de um diagnóstico ao menos sindrômico visando construir uma proposta de cuidado.
Para isso, alguns dados são fundamentais na anamnese:
-Motivo do atendimento e seu detalhamento, tentando estabelecer o papel do uso de SPA na queixa do paciente;
-História de uso de SPA (a que motivou o atendimento, além da idade de início de consumo de cada SPA, drogas utilizadas e de escolha);
-Padrão de uso (quantidade, frequência, uso alternado/concomitante, consumo contínuo ou intermitente);
-Fatores psíquicos, físicos, sociais e ambientais reforçadores (gatilhos) e atenuadores do uso;
-Avaliação sobre fissura (vontade intensa, compulsão para usar), em geral desencadeada por pistas externas (como ter dinheiro, ver alguém usando) ou internas (frustração, euforia).
-Períodos e sintomas de abstinência;
-História de tratamentos;
-Consequências (sociais, legais, comorbidades, outras) relacionadas ao uso e de que forma são percebidas pelo paciente;
-Razões para busca e motivação para tratamento neste momento.
É interessante observar que a entrevista não apenas traz elementos que auxiliam na construção da hipótese diagnóstica, mas também revela subsídios para a elaboração do plano de tratamento, ao localizar os focos de dificuldade e expectativa do paciente. Além disso, é importante contextualizar a avaliação, pois embora algumas informações sejam necessárias a um bom estabelecimento diagnóstico, um atendimento num serviço de urgência tem objetivos diferentes do que um realizado na Atenção Básica, num serviço especializado ou num contexto de internação. Sendo assim, é fundamental definir se é necessário um tratamento de emergência por problema agudo; identificar complicações clínicas, sociais ou psíquicas que requeiram abordagem ágil; investigar
sintomas e comorbidades psiquiátricas e clínicas; avaliar e promover motivação do indivíduo para mudança; determinar e facilitar o acesso ao nível de atenção necessário.
Quando o contexto de atendimento permitir, é de grande ajuda tentar estabelecer vínculo com o paciente e se possível sua rede de apoio; explorar o contexto e motivos que levaram ao uso problemático de substâncias; avaliar a existência e importância de apoio familiar e rede social e elaborar com o paciente os objetivos compartilhados quanto ao tratamento.
(Trecho retirado do capítulo “Avaliação psiquiátrica do uso de substâncias psicoativas, de Renata C. S. de Azevedo, In: Ana Maria G R Oda; Paulo Dalgalarrondo; Cláudio E M Banzato (organizadores). Introdução à avaliação psiquiátrica. Porto Alegre: Artmed; 2022. ISBN: 9786558820468).