Autores: Nathalia Janovik e Alexandre Kielisch

O tabagismo é a principal causa de mortes evitáveis em todo o mundo. Em muitos países, as campanhas contra o uso de tabaco têm contribuído para a diminuição nas suas taxas de consumo por parte da população adulta. O Brasil é um dos poucos países que, até o momento, conseguiu aderir de forma plena às medidas globais de redução do tabagismo da OMS (Organização Mundial da Saúde) e têm sido exemplo de sucesso para o mundo, tendo aprovado, em novembro de 2019, um Projeto de Lei que proíbe a comercialização de cigarro em pontos de venda junto a balas, doces e guloseimas em geral. Contudo, nos últimos anos, em vários países – inclusive no Brasil –, houve um incremento considerável no uso de vaporizadores ou cigarros eletrônicos, especialmente entre os jovens, como promessas de potenciais substitutos do cigarro industrializado.

Conforme pesquisa com estudantes norte-americanos, cerca de 37% dos alunos do 12º ano relataram uso dos cigarros eletrônicos em 2018, contra 28% no ano anterior. Já em 2019,as taxas foram ainda mais perturbadoras, com mais de 5 milhões de jovens relatando ter usado cigarros eletrônicos nos últimos 30 dias, e quase um milhão relatando uso diário. No Brasil, embora os dados ainda sejam escassos, eles apontam que, entre 2012 e 2013, 4,6% dos fumantes adultos fizeram uso de cigarros eletrônicos nos últimos 6 meses. Em estudantes de uma universidade, houve o relato de que 2,7% deles havia experimentado, e 0,6% fazia uso regular dos vaporizadores, ao longo de 2015.

O acesso fácil aos vaporizadores, seus anúncios tentadores, a disponibilidade de mais de 8000 aromas – incluindo os de doces, frutas, refrigerantes e álcool –, além da crença de que seriam mais seguros que os cigarros convencionais, ajudaram a tornar estes produtos mais atraentes para os adolescentes. As imagens repulsivas nos maços de cigarros e a proibição do uso de cigarro em locais fechados, dentre outras normas seguidas no Brasil, têm contribuído para que os jovens façam uma associação negativa com o tabagismo, o que não tem ocorrido com os cigarros eletrônicos, que se assemelham a um pen-drive e podem ser facilmente recarregáveis no próprio laptop através da entrada USB. Por isso, no Brasil existe um receio de que o grande avanço na redução de 40% nos dependentes de tabaco em pouco mais de uma década seja ameaçado com a entrada sedutora dos cigarros eletrônicos, muito embora a sua comercialização no nosso país esteja proibida desde 2009.

O primeiro vaporizador foi desenvolvido e patenteado por Herbert A. Gilbert, na Pensilvânia, em 1963, mas nunca chegou a ser comercializado. Em 2003, um novo modelo foi desenvolvido na China e chegou ao mercado europeu e norte-americano em 2006. Esses produtos são acoplados a uma bateria e funcionam de forma eletrônica, liberando aerossóis através do aquecimento de um líquido, óleo ou resina, que podem conter substâncias, como nicotina e cannabis, dentre 21 outros elementos já descritos. Esses elementos são aquecidos a uma temperatura que pode chegar a 350° Celsius, o que produz reações químicas e mudanças físicas nos compostos, formando outras substâncias potencialmente tóxicas. Tanto os solventes com glicerina, quanto os com propilenoglicol, demonstraram decompor-se a altas temperaturas, gerando compostos carbonílicos de baixo peso molecular, como o formaldeído, o acetaldeído, a acroleína e a acetona. Além disso, estudos têm demonstrado que os vaporizadores liberam também altos níveis de níquel e cromo, que estão presentes nas serpentinas de aquecimento, além de outros metais pesados como cádmio, estanho, chumbo, manganês e arsênico. Várias dessas substâncias são classificadas como citotóxicas, carcinogênicas, causadoras do enfisema pulmonar e de dermatite, sem levar em conta o maior potencial aditivo, pela possiblidade de liberação de maiores quantidades de nicotina do que nos cigarros convencionais.

Muitos estudos têm demonstrado que o uso dos cigarros eletrônicos aumentam as chances de pré-adolescentes e adolescentes tornaram-se dependentes de nicotina, inclusive com um risco potencialmente maior de uso de outras substâncias psicoativas. Apesar de existirem alguns estudos sugerindo uma associação entre o uso de cigarros eletrônicos e a interrupção ou redução do tabagismo, existem vários outros demonstrando que tabagistas que buscaram os cigarros eletrônicos como método para parar de fumar, tiveram menor êxito, em comparação àqueles que não usaram cigarros eletrônicos. Ainda, aqueles indivíduos que usavam cigarros eletrônicos também apresentaram maior consumo concomitante de cigarros convencionais, do que aqueles que não usavam. Ademais, existem tratamentos eficazes e confiáveis para tabagistas que queiram cessar o uso de cigarro.

Cabe salientar que, no início de 2019, começaram a surgir os primeiros relatos de uma doença pulmonar associada ao uso dos vaporizadores conhecida como EVAPI (Eletronic Cigarettes Vaping Associated Pulmonary Injury), que pode ser grave e potencialmente fatal, o que tem preocupado pesquisadores, médicos e autoridades. Até 5 de novembro de 2019, 2.051 casos de EVAPI foram relatados ao CDC (Center for Disease Control) e 39 mortes foram confirmadas. Quase 70% dos casos de EVAPI eram do sexo masculino e 80% tinham menos de 35 anos. A patogênese da EVAPI ainda é desconhecida, mas o que se sabe até o momento é que o THC (tetraidrocanabinol) – principal substância psicoativa presente na Cannabis –foi encontrada na maioria das amostras testadas pelo FDA (Food and Drug Administration) nos casos de EVAPI, e a maioria dos pacientes relatam uma história de uso de produtos contendo THC, que foram obtidos de fontes informais como amigos, traficantes ou comprados pela internet. Embora pareça que o acetato de vitamina E esteja associado ao EVAPI, as evidências ainda não são suficientes para se afirmar isso. A EVAPI parece ser uma forma de lesão pulmonar aguda com diferentes achados patológicos, tais como pneumonite fibrinosa aguda, dano alveolar difuso, pneumonia eosinofílica aguda ou lipóide, geralmente bronquiolocêntrica com bronquiolite e hemorragia alveolar difusa, sugerindo que mais de um mecanismo de lesão pode estar envolvido.

Os vaporizadores foram comercializados como um redutor de danos à saúde e divulgados como um possível tratamento para a cessação do tabagismo. Estudos iniciais patrocinados pela indústria do cigarro demonstraram essas finalidades. Porém, com o desenvolvimento de novos estudos não patrocinados, percebeu-se que o potencial de danos gerados pelo consumo de vaporizadores é bem maior do que o inicialmente pensado e, em termos de cessação do tabagismo, tem ocorrido a troca (parcial ou total) do cigarro convencional pelo cigarro eletrônico, sem que haja benefício cientificamente comprovado para a saúde. As recomendações do CDC são de que, até que se saiba mais sobre as causas do EVAPI, esses dispositivos não sejam utilizados, especialmente aqueles contendo THC. Além disso, é recomendado que adolescentes, adultos jovens, mulheres grávidas e adultos que atualmente não usam produtos de tabaco não estejam, inclusive, sequer expostos ao vapor dos cigarros eletrônicos.

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