Autora: Alessandra Diehl

A dependência de sexo é discutivelmente uma questão ainda bastante controversa no meio científico dado a natureza de sua real existência enquanto uma condição clínica. No entanto, apesar desta controvérsia, isso não torna menor o fato de que alguns indivíduos podem querer buscar ajuda profissional para lidar com a sua compulsão sexual, independentemente de como este comportamento esteja conceituado.

Há certa inconsistência entre os pesquisadores não somente quanto ao conceito mas também quanto à definição de dependência de sexo. Goodman (1993) definiu a dependência sexual como uma falha em resistir aos impulsos sexuais, com frequente ocupação com atividades sexuais as quais são preferidas em detrimento a outras atividades, inquietação quando não é possível realizar atividade sexual e tolerância a este comportamento. Já Mick e Hollander (2006) definiram dependência de sexo como um comportamento sexual compulsivo e impulsivo, enquanto Kafka (2010) definiu como hipersexualidade, que é o comportamento sexual acima da média, o qual é caracterizado por falha em interromper o comportamento sexual com consequências ocupacionais.

Em vista das várias definições de dependência de sexo, um dos desafios é determinar o que constitui de fato esta condição. A quinta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtorno Mental (DSM-5) usa o termo hipersexualidade como um sintoma, mas esse termo é problemático, pois a maioria dos pacientes não sente que sua atividade ou impulsos estão acima da média. Além disso, o DSM-5 não usa o termo hipersexualidade como transtorno mental. Em segundo lugar, o termo é enganoso, uma vez que a dependência de sexo é resultado de um impulso ou desejo sexual e não de desejo sexual excepcional e, finalmente, a dependência de sexo pode se manifestar de maneiras diferentes que não necessariamente se encaixam nessa definição.

A futura Classificação Internacional das Doenças (CID-11), o transtorno de comportamento sexual compulsivo poderá ser caracterizado por um padrão persistente de falha no controle de impulsos sexuais repetitivos e intensos, resultando em comportamento sexual repetitivo. Consequentemente, os sintomas desse transtorno incluem atividades sexuais repetitivas que induzem sofrimento mental significativo e eventualmente prejudicam a saúde física e mental do indivíduo, apesar do esforço malsucedido de reduzir os impulsos e comportamentos sexuais repetitivos. O transtorno hipersexual tem íntima relação com o fenômeno do prazer e com a gratificação cerebral. Trata-se de comportamentos sexuais compulsivos e impulsivos que incluem atos sexuais repetitivos, busca compulsiva por parcerias sexuais, masturbação excessiva, consumo exagerado de filmes pornográficos, literatura erótica e/ou profissionais do sexo, uso compulsivo da internet para excitação sexual ou pensamentos sexuais compulsivos que, de tão frequentes e intensos, acabam por interferir com a intimidade interpessoal e sexual, bem como, com o funcionamento laboral e profissional, gerando vergonha, culpa e stress pessoal.

Portanto é uma síndrome clínica reconhecida atualmente apenas na CID e não no DSM V, subdiagnosticada tanto na população em geral quanto em amostras clínicas. Entre os norte-americanos, atinge 5% a 6% da população. Dados populacionais brasileiros sobre esta condição ainda são inexistentes. O quadro clínico, em geral, ocorre no final da adolescência ou início da vida adulta, sendo que a busca por tratamento costuma ser tardia, geralmente coincide com algum problema de ordem judicial, legal, ocupacional ou familiar por conta do comportamento disfuncional ou ‘fora de controle’.

Evidências empíricas sugerem que, entre os que buscam tratamento, os homens são mais propensos do que as mulheres a buscar ajuda para dependência de sexo. No entanto, barreiras potenciais ao tratamento de mulheres dependentes do sexo são identificadas para que elas não procurem por tratamento, citam-se: (a) barreiras individuais, (b) barreiras sociais, (c) barreiras de pesquisa e (d) barreiras de tratamento.

Na atualidade, o fenômeno do transtorno hipersexual tem sido descrito dentro de um espectro de três clusters de sintomas, os quais incluem: impulsividade, obsessividade/compulsividade ou, ainda, similar às dependências por substâncias. A questão conceitual ainda apresenta controvérsias, sendo que os novos manuais classificatórios podem trazer atualizações, mas estes poderão falhar devido a grandes diferenças interculturais e individual na definição de sexualidade “normal” como o ponto de origem para alterações “patológicas”. Vale lembrar que, em medicina, o conceito de normalidade tem a conotação daquilo que é mais frequente ou mais encontradiço, nem sempre não normal significa doença.

A pesquisa sugere que há várias semelhanças entre a neuroplasticidade induzida por recompensas naturais (Ex. comida, exercício) e aquelas por drogas de abuso e que, dependendo da recompensa, a exposição repetida a recompensas naturais pode induzir neuroplasticidade que promovem o comportamento dependente, inclusive o de sexo.

Entre as comorbidades psiquiátricas mais comuns estão: transtornos ansiosos (50%), transtornos do humor (39%), transtornos pelo uso de substâncias (24% a 65%), transtorno parafílico (30% exibicionistas). O tratamento é em longo prazo e acarreta sofrimento, dificuldade real à intimidade do seu portador e pode estar associado a uma série de desfechos negativos, incluindo comportamento de alto risco para aquisição de HIV/ AIDS. Trata-se, portanto, de uma condição de caráter crônico e que cursa com recaídas, necessitando de abordagens multidisciplinares, as quais incluem terapia medicamentosa, psicossociais, terapia de casal, terapia cognitivo e comportamental, grupos de mútua-ajuda, tais como o Dependentes de Amor e Sexo Anônimos (DASA) para sua abordagem.

Parece existir uma associação entre a busca de drogas que aumentam o funcionamento sexual nestes indivíduos (Ex. sidelnafila [Viagra®]), sendo uma causa frequente e não reconhecida de recaídas no uso de substâncias. O interesse da comunidade científica em compreender determinados tipos de comportamentos sexuais e o seu envolvimento com o uso e dependência de substâncias cresceu nos últimos anos. Daí a importância de ampliar evidência sobre este assunto. Estudos nacionais a respeito desta temática em amostras específicas de dependentes químicos têm sido pouco relatados na literatura nacional, o que justifica ampliar evidência científica com dados brasileiros. Neste contexto, o impulso sexual excessivo (dependência de sexo) na população de usuários de drogas e álcool têm implicações importantes para o planejamento de políticas de saúde, para adequada condução de pesquisas científicas e oferecimento de serviços especializados para este público.

 

Leave a Reply