COVID-19 veio acompanhada de uma série de mudanças na vida da população mundial. Se antes o contato social era algo valorizado, com a pandemia, se fez necessária a reclusão da quarentena, a qual teve a adesão de cerca de 74,3% dos brasileiros.

Essas pessoas impedidas de trabalhar, por sua vez, tiveram, em 62,1% dos casos, prejuízos em suas rendas, o que só veio a agravar as suas condições de saúde mental, as quais foram consideradas piores por 29,4% dos indivíduos pesquisados (Fundação Oswaldo Cruz, 2020).

Entre as queixas relatadas, 26,3% apresentaram sintomas de ansiedade, 32% de depressão, 18% de estresse, 42% de dependência do álcool e 31,4% de Transtorno de Estresse Pós-Traumático (Calegaro et al., 2020).

Entre as queixas relatadas, 26,3% apresentaram sintomas de ansiedade, 32% de depressão, 18% de estresse, 42% de dependência do álcool e 31,4% de Transtorno de Estresse Pós-Traumático (Calegaro et al., 2020). As pesquisas também verificaram um aumento no consumo de substâncias psicoativas: 17,6% aumentaram seu consumo de bebida alcoólica, 34% aumentaram o uso do tabaco (Fundação Oswaldo Cruz, 2020), e segundo dados secundários do DATASUS, comparados com o primeiro semestre de 2019, houve aumentos de: 54% nos atendimentos por uso de alucinógenos, 50% por uso excessivo de sedativos e 36% no uso de maconha. O consumo de álcool foi associado, por 63,8% dos entrevistados, a sentimentos de tristeza e depressão, parecendo ser uma estratégia de enfrentamento para lidar com estas emoções negativas (Fundação Oswaldo Cruz, 2020).

Como há uma restrição ao funcionamento de bares e restaurantes, e maior receio de frequentar locais de venda de drogas, tem sido observada uma mudança da forma de uso, havendo um aumento significativo de vendas de álcool e drogas via delivery. A Consultoria Opinion Box verificou, que o aumento desse tipo de venda com relação às bebidas alcoólicas foi de 26%. Não pode-se deixar de destacar a ocorrência dos famosos “botecos virtuais” e das lives de artistas consumindo bebidas alcoólicas, as quais podem ser assistidas, inclusive, por menores de idade.

Dados dos Estados Unidos também foram semelhantes e identificaram que 40% dos adultos tiveram dificuldades com saúde mental na pandemia: 31% apresentaram sintomas de ansiedade e depressão, 26% sintomas relacionados a trauma/ estresse, 11% pensaram em suicídio e 13% iniciaram ou aumentaram o uso de substâncias psicoativas (Czeisler et al., 2020).

Um outro efeito colateral da reclusão e, provavelmente, do uso excessivo de substâncias psicoativas foi que 12,6% passaram por abuso emocional, 0,95% por violência física e 0,2% por abuso sexual. Deve-se destacar, como já era esperado, que o agressor, em 80,5% dos casos, era um familiar da vítima (Calegaro et al., 2020). Segundo o Ligue 180, em abril de 2020 (comparado com o mesmo mês em 2019), houve um aumento de 35,9% nos casos de violência contra a mulher, o que é um dado bastante alarmante. O uso de drogas – e aqui destaca-se o álcool –, apesar de ser utilizado para lidar com emoções negativas, como ansiedade e depressão, não é efetivo para cumprir este papel, pois ele gera uma reação que além de agravar os sintomas que “deveria” atenuar, diminui a atividade do lobo pré-frontal, uma espécie de “freio” do cérebro, aumentando a impulsividade e a ocorrência de condutas agressivas.

Preocupada com esses índices, a Organização Mundial da Saúde orientou que os países promovessem restrições ao acesso a bebidas alcoólicas na pandemia. Alguns países limitaram o número de pessoas em bares e seus horários de funcionamento ou mesmo proibiram a venda dessas bebidas pela internet. No Brasil, por outro lado, há descontos e isenção de taxas de tele-entrega desse produto, além de um descontrole da ocorrência das lives com artistas consumindo grandes quantidades de álcool e patrocinadas pela indústria, o que só vem a fomentar o consumo.

E tudo isso ocorre quando o acesso ao tratamento em saúde mental está dificultado, com locais fechados, internações reduzidas, afastamento de profissionais e perda de poder aquisitivo para tratamento particular. Aproximadamente, 83% das pessoas pesquisadas disseram estar sem tratamento psicológico/ psiquiátrico na quarentena (incluindo quem não fazia tratamento antes e quem teve que interromper). A interrupção do tratamento, salienta-se, estava associada tanto a sintomas de ansiedade, como de depressão (Calegaro et al., 2020), sendo um fator importante de ser levado em conta pelas políticas de saúde em nosso país. A facilitação de atendimentos online e a orientação para que os pacientes participem de reuniões virtuais de grupos de auto-ajuda têm sido estratégias utilizadas e que, provavelmente, serão mantidas pós pandemia, porém elas não podem ser medidas isoladas frente à complexidade da situação em que vivemos.

A oferta de informações corretas a respeito do uso de substâncias e de sua associação com prejuízos na saúde mental, com índices de violência e com a própria COVID-19 – destacando a diminuição causada na imunidade– é algo fundamental a ser realizado pelos gestores em saúde pública. Políticas públicas de prevenção nos três níveis e orientadas por pesquisas científicas devem ser as metas no atual momento para que possamos reduzir, o máximo possível, os danos para nossa população frente à caótica crise imposta pela pandemia.

Referências:

Calegaro, V. C., et al. COVIDPSIQ, Evolução dos Sintomas Emocionais durante a pandemia, Santa Maria, 2020, disponível em www.covidpsiq.org, acessado em 31/08/2020.

Czeisler MÉ , Lane RI, Petrosky E, et al. Mental Health, Substance Use, and Suicidal Ideation During the COVID-19 Pandemic — United States, June 24–30, 2020. MMWR Morb Mortal Wkly Rep 2020;69:1049–1057. DOI: http://dx.doi.org/10.15585/mmwr.mm6932a1

Fundação Oswaldo Cruz, ConVid- Pesquisa de comportamentos, São Paulo, 2020, disponível em https://convid.fiocruz.br/index.php?pag=bebiba_alcoolica, , acessado em 31/08/2020.

Renata Brasil Araujo

Renata Brasil Araujo

Presidente da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (ABEAD). Psicóloga no Hospital Psiquiátrico São Pedro. Psicóloga na Modus Cognitivo - Núcleo de Terapia Cognitivo-Comportamental.

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