Autora: Alessandra Diehl

Você já ouviu falar sobre a teoria da interseccionalidade? E algo sobre a teoria da intersecconalidade no campo das dependências químicas? Pois bem, vejamos então!
A teoria da interseccionalidade nos sinaliza como as experiências humanas de uma pessoa são constituídas por interações que se reforçam mutuamente entre diferentes aspectos de suas identidades, tais como: raça, status sócioeconômico, gênero e orientação sexual, por exemplos. Central para a teoria da interseccionalidade é a ideia de que múltiplas identidades sociais no nível micro (por exemplo, raça, sexo ou classe social) estão ligadas a desigualdades nos níveis macro e estrutural (por exemplo, racismo, patriarcado, sexismo e pobreza). Assim, a teoria da interseccionalidade argumenta que os indivíduos socialmente excluídos experimentam múltiplas formas de discriminação, estigma e desvantagens que refletem nestas identidades sociais que se cruzam ou se sobrepõem.

A utilização da estrutura teórica da interseccionalidade em análises de dados quantitativos está ganhando cada vez mais interesse na pesquisa em saúde como uma abordagem de metodologia crítica. Embora alguns estudiosos tenham delineado diretrizes explícitas para aplicar a teoria da interseccionalidade na pesquisa usando métodos quantitativos, outros citaram preocupações epistemológicas e pensamento aditivo para defender a análise da interseccionalidade com métodos qualitativos também. No entanto, esta é uma perspectiva que tem se mostrado bastante poderosa e crescido em importância para investigar os processos e as consequências da participação em grupos sociais, uma perspectiva que tem sido negligenciada pela maioria das pesquisas neurocientíficas e ainda é muito pouco explorada no campo das dependências químicas. Em particular, na dependência química como um campo igualmente importante da neurociência, os métodos e as interpretações de dados têm de certa forma pouco explorado a interseccionalidade até os dias atuais. Daí a importância de colocarmos luz neste campo do saber como um convite a olharmos de outra forma também através das interseccionalidades os fenômenos das drogas.

Sabemos que as vivências de uma mulher lésbica branca com alcoolismo podem ser bem diferentes de uma mulher lésbica negra com alcoolismo, por exemplo. Em outras palavras, também se destaca a necessidade de investigar aspectos da identidade de alguém que se estende além dessas duas categorias, bem como as maneiras pelas quais esses aspectos de intersecção criam experiências vívidas embutidas em sistemas estruturais de oportunidades e de opressão. Uma mulher branca de um grupo socioeconômico mais baixo pode ser “penalizada” por seu gênero e classe no acesso à saúde e assistência social, mas tem a vantagem relativa de raça sobre uma mulher negra.

Sabemos, por exemplo, que negros e indígenas estão em maior risco de se engajar no consumo abusivo de álcool devido aos estressores combinados de suas identidades interseccionais. Por isso, que as intervenções direcionadas a essas populações devem considerar os fatores históricos, culturais e sistêmicos que contribuem para uma taxa desproporcionalmente mais alta de consumo excessivo de álcool entre os mesmos. Assim como, identificar as barreiras e facilitadores para o sucesso na dispensação de medicamentos para dependência química, por exemplo, incluindo a disparidade de gênero percebida na obtenção das mesmas, desafios na construção de um sistema de apoio orientado à recuperação e a importância de navegar em uma nova identidade social estando em processo de recuperação. Este conhecimento mais profundo das experiências e perspectivas de indivíduos com problemas relacionados ao uso de substâncias poderia servir para abordar as disparidades de acesso a tratamento adequado levando a uma maior capacidade de recuperação e políticas públicas transformadoras no campo das dependências químicas.

A teoria da interseccionalidade destaca, portanto, o potencial de um processo em descobrir interações complexas e fornecer suporte para a ampliação da visão de que a interseção de vários status influencia a saúde e os comportamentos de maneiras por vezes difíceis de identificar através de métodos convencionais. O alcance da interseccionalidade agora se estende aos campos da saúde pública e da tradução deste conhecimento e campo de estudo para a prática clínica visando sintetizar e avaliar pesquisas baseada evidências científicas e mover essas evidências para a prática de cuidados de saúde e porque não também na dependência química. Embora ainda existam muitos desafios, o processo e as ferramentas advindas da interseccionalidade podem servir como um valioso ponto de partida e exemplo de como a teoria pode transformar campos e práticas da dependência química também.

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