Autora: Aline Coraça

Avanços científicos na área de dependência química permitem dizer que, o uso de substâncias pode causar prejuízos neuropsicológicos e comportamentais por meio de diversos mecanismos de ação. Para tanto, o terapeuta ocupacional deve ter como objetivo principal avaliar os déficits e incapacidades cognitivas e funcionais que limitam o desempenho ocupacional desse indivíduo, para posteriormente elaborar estratégias de intervenção (adaptada à idade, habilidades, limitações, papéis e valores) e abordagens de tratamento, favorecendo capacidades e habilidades individuais.

A importância do embasamento científico nas intervenções e a necessidade do uso de instrumentos de avaliação na prática clínica da terapia ocupacional vêm sendo amplamente discutidas e, por sua vez modificando a rotina de inúmeros terapeutas ocupacionais em dependência química.

Nos Estados Unidos, por exemplo, esse recurso vem aumentando progressivamente, uma vez que a única maneira objetiva de se demonstrar resultados de uma intervenção é por meio do uso de instrumentos de avaliação.

É importante ressaltar, que para a utilização de instrumentos desenvolvidos em outros países, além de ser necessária a realização da tradução transcultural, o estudo da confiabilidade e de validade precisa ser refeito em uma nova versão devidamente traduzida. No Brasil, ainda é pequeno o número de instrumentos padronizados, válidos e fidedignos específicos para terapia ocupacional.

O terapeuta ocupacional pode escolher o instrumento de avaliação de acordo com tipo de população, área de atuação ou referencial teórico.

Para a reabilitação de indivíduos acometidos pelo TUS que apresentam déficits cognitivos e funcionais, alguns instrumentos de avaliação e abordagens podem ser utilizados. Apresento aqui, uma bateria de avaliações que utilizo em minha prática clínica durante o plano de tratamento:

1.     Escala de Observação Interativa em Terapia Ocupacional (EOITO)

Avalia o comportamento durante a realização das atividades. Implica na interação entre o avaliador e o paciente. É dividida em quatro áreas: execução de atividade, sintomas psicóticos, interação social e cuidados pessoais.

2.    Medida de Desempenho Ocupacional Canadense (MDOC)

Entrevista semiestruturada subjetiva (por meio de perguntas) utilizada para identificar mudanças na auto percepção do indivíduo em seu desempenho ocupacional ao longo do tempo. A MDOC identifica problemas nas três áreas de desempenho ocupacional (atividades de auto cuidado, atividades de lazer e relacionadas à produtividade) e quantifica prioridades, desempenho e satisfação relativos a esses problemas.

3.    Avaliação Cognitiva Montreal (MoCA)

Instrumento breve de rastreio cognitivo. O mesmo avalia: atenção e concentração, funções executivas, memória, linguagem, habilidades visuoconstrutivas, conceituação, cálculo e orientação.

4.    Diagnóstico funcional de acordo com a classificação internacional de funcionalidade, incapacidade e saúde (CIF – OMS)

O conceito de funcionalidade está relacionado com a capacidade de realizar um conjunto de ações necessárias para a sobrevivência, como atividades básicas, instrumentais e avançadas de vida diária.

5.    Avaliação direta do nível funcional (DAFS)

Teste em que o indivíduo realiza algumas tarefas em frente ao avaliador. O teste avalia sete domínios funcionais: orientação temporal, habilidades de comunicação, habilidades para cuidado das finanças, habilidades de compras, habilidades de alimentação e habilidades de autocuidado.

6.    Lista de identificação de papéis ocupacionais (LIPO)

Para obter a percepção do indivíduo em sua participação nos principais papéis ocupacionais ao longo da vida, bem como o grau de importância que atribui a cada um desses papéis. É realizada concomitantemente com a rotina diária para a alta.

7.    Método occupational goal interventions ou intervenção baseada na atividade dirigida (OGI)

O método OGI é baseado no método GMT (goal management training) e foi desenvolvido por Katz e Keren. É direcionado para os déficits de funções executivas a fim de que as habilidades necessárias para o estabelecimento de metas sejam executadas de forma eficiente, propondo a elaboração por escrito de uma lista de etapas e metas a serem memorizadas e seguidas para a realização de uma tarefa. O indivíduo executa a tarefa juntamente com o terapeuta e em seguida analisa e monitora seu desempenho. Neste método, são utilizadas fichas e o indivíduo aprende estratégias de aprendizagem fundamentais: pare e pense, defina a tarefa, planeje as etapas, execute e avalie seu desempenho. É um dos métodos que mais se encaixa dentro da minha prática clínica, pois requer que o individuo defina seus objetivos, planeje como alcançá-los, execute e avalie seu desempenho, que nada mais é do que o treino das funções executivas.

A terapia ocupacional tem uma contribuição única na avaliação e gerenciamento do comprometimento cognitivo.

Atualmente, a importância do embasamento científico nas avaliações e intervenções e a necessidade de ampliação da ciência da terapia ocupacional vêm sendo amplamente discutidas.

De acordo com a literatura de terapia ocupacional, a escolha de um grupo de instrumentos tem sido comprovadamente eficaz, mesmo que seja de diferentes referenciais teóricos, pois favorece uma prática mais abrangente e integrativa. Assim como observo evidencia minha experiência: nem sempre a cognição interfere na funcionalidade do indivíduo e vice e versa.

Alguns indivíduos com déficits cognitivos, por exemplo, apresentam escore baixo em instrumento breve de rastreio cognitivo, entretanto apresentam satisfatório desempenho ocupacional na execução de uma tarefa de seu repertório do cotidiano. Com isso, torna-se imprescindível, que mais profissionais, busquem evidenciar e publicar os trabalhos em nossa prática clínica, para que possamos direcionar as estratégias de intervenção essenciais para promover o atendimento baseado na ocupação e centrado no indivíduo, para que metas de diversas atividades do cotidiano sejam executadas de forma eficiente e completa.

Referência Bibliográfica

BOSSO, R. A; SANTOS, J. P. (Orgs). O tratamento da dependência química: um guia de boas práticas. 1. Ed – Curitiba: Appris, 2020.

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