Como Tina Turner nos ensina a superar relacionamentos abusivos em contextos de dependência química? 

Better be good to me! Este é o título de um dos inúmeros sucessos da talentosa cantora Tina Turner, uma das maiores estrelas do Rock que temos notícias até hoje. Ela está atualmente com 82 anos, longe dos palcos e morando na Europa. Mas, lamentavelmente, nem sempre foram bons para ela como ela (e todos nós!) merecia e desejava. No livro intitulado “Minha história de amor”, escrito pela própria cantora e publicado em 2018, ela nos revela detalhes sobre o relacionamento abusivo que teve com o também músico Ike Turner por mais de uma década e que foi repleto de muito sofrimento. Ele usuário de substâncias (cocaína e álcool), com posicionamentos machistas, violentos e extremamente dominador. Em uma das passagens da obra Tina escreveu: “A nossa vida juntos foi marcada por abuso e medo. Num jeito perverso, os hematomas que ele me deu — um olho roxo, o lábio machucado, a costela trincada — eram marcas de posse. Uma maneira de dizer: ‘Ela é minha e eu posso fazer o que eu quiser com ela’. Eu sabia que tinha que ir embora, mas eu não sabia como dar o primeiro passo. Nas horas mais difíceis, eu me convenci que a morte era o meu único caminho”.

“Infelizmente, as relações abusivas são muito comuns em vários contextos sócio familiares, desde as relações amorosas conjugais, como também nas relações entre pais e os filhos e, também, nas relações de amizades”, diz Ana Café, psicóloga carioca, membro da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (ABEAD). Principalmente este tipo de relação abusiva está muito presente nas relações em que um dos membros da família é dependente químico. Os abusos físicos e emocionais, a necessidade de controlar e/ou manipular o outro através de jogos de poder envolvendo ameaças, chantagens, sedução, vitimização sãoapenas algumas das características das quais este comportamento abusivo pode se manifestar. O ciúme, fruto da insegurança, se revela como uma ameaça de perda ou medo de ser trocado. Daí osentimento de posse, como se o outro fosse um objeto que pertence aquela pessoa. Soma-se a isso a busca do “controle” da relação através de querer saber o que o outro está fazendo, com quem está, onde está, querer determinar o que o outro vai vestir e quais locais frequentar. A necessidade de mudar a personalidade e comportamento do outro para que a pessoa se adeque as necessidades daquilo que o outro tem de ideal de relação só aumenta a toxicidade do relacionamento e torna a convivência insuportável. Tudo isso a nossa querida Tina Turner vivenciou! E infelizmente, ela não está sozinha! Uma em cada quatro meninas de 15 a 19 anos já sofreu violência dentro de um relacionamento. Cerca de 641 milhões de mulheres relatam já ter sido vítimas de alguma forma de violência dentro dos relacionamentos. Globalmente, o número representa 27% das mulheres.

O uso de álcool guarda estreita relação com violência doméstica. Taxas de agressões contra as mulheres são 6,5 mais altas quando os homens bebem na forma de binge, um beber pesado em curto espaço de tempo. Em estudo desenvolvido em 27 municípios de São Paulo 52,7% das mulheres mencionaram situação de violência com companheiro intoxicado entre os quais 9,7% tambémestavam intoxicados por outra droga. Dr. Daniel Cruz Cordeiro, psiquiatra, especialista em dependência química e sexualidade, também membro da ABEAD, diz que “ainda existe uma necessidade imensa de atentarmos para as complexidades que envolvem todos estes contextos de relacionamentos abusivos dirigidos a mulher onde o parceiro é um dependente químico, uma vez que a dinâmica social, as normas culturais que forma historicamente construídas por estes indivíduos, assim como, as questões de gênero e os fatores ligados a traços de personalidade tendem a ser agravantes e não atenuantes nestes casos de violência”.

O uso de álcool ou de qualquer outra droga em hipótese alguma justifica um relacionamento abusivo. É necessário compreendermos que é urgente que homens dependentes químicos que são os agressores em relacionamentos abusivos possam cada vez mais se responsabilizar pelos seus comportamentos, buscar através do tratamento, da psicoterapia, das desconstruções do patriarcado entendendo que a violência praticada não é somente fruto do uso das substâncias, mas que também a construção de suas masculinidades de certa forma, desencadeia o exercício das relações de poderes sobre as mulheres.

O rompimento deste ciclo de violência é um processo demorado e, naturalmente, hesitante. Apesar de algumas mulheres conseguirem fazer o seu primeiro registro policial com queixa das agressões, muitas mulheres permanecem ainda com os agressores por, pelo menos, mais três anos. Segundo Alessandra Diehl, psiquiatra e presidente da ABEAD, “a mesma sociedade que de certa forma reforça e alimenta este solo fértil para as construções dos relacionamentos abusivos é a mesma que culpa as mulheres porque elas não conseguem sair desses relacionamentos”.Felizmente, Tina Turner, assim como outras poucas mulheres, conseguiram quebrar este ciclo de violência. Há que se considerar não apenas os aspectos psicológicos das mulheres para saírem de relacionamentos abusivos em contextos de dependência química ou não. Deixar um relacionamento abusivo pode não estar inteiramente relacionado com a capacidade de controle das mulheres, uma vez que mulheres que sofrem em relacionamentos abusivos podem não possuir outra moradia para viver ou fonte financeira para creche e outros cuidados com seus filhos. Por isso, muitas permanecem “amarradas” a relacionamentos abusivos apesar de terem o desejo de quebrar este ciclo e já terem buscado ajuda com tratamentos para seus companheiros.

Todos estes temas serão discutidos no dia 7 de abril as 20 horas nas redes Facebook e Youtube da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (ABEAD) de forma on-line, gratuita e aberta ao público em encontro sobre os relacionamentos abusivos e a dependência química tendo como pano de fundo a história de vida da cantora Tina Turner.  A atividade será conduzida pelo Dr. Daniel Cruz Cordeiro, pela psicóloga Ana Café e mediada pela psicóloga Dodora Soares. Não perca! Agende-se!

One Comment

  • Adriana Agum disse:

    Alarmante a porcentagem de mulheres que passam por esse processo que deixa uma marca na alma e são poucas as que tomam coragem de pedir ajuda e as que não….chegam ao extremo de tirar a sua própria vida.

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