Por Aline Coraça Trevelin¹ e José Cleber Feliciano Ferreira²

Introdução

O suicídio é um fenômeno complexo que continua a atrair a atenção de filósofos, teólogos, médicos, sociólogos e artistas ao longo dos séculos. A visão sobre o suicídio evoluiu ao longo da história: de uma tradição em algumas culturas e aceitação em outras, para pecado na Idade Média e, posteriormente, sinal de doença mental (Meleiro & Bahls, 2004). Embora o suicídio seja amplamente reconhecido como um sério problema de saúde pública, seu estudo, controle e prevenção ainda são desafiadores.

As pesquisas atuais indicam que a prevenção do suicídio envolve múltiplas atividades, como a promoção de ambientes saudáveis para o desenvolvimento infantil e juvenil, o tratamento eficaz dos transtornos mentais e o controle dos fatores de risco ambientais (World Health Organization [WHO], 2021).

Para os profissionais de saúde, lidar com o suicídio de um paciente é um dos eventos mais difíceis. Sentimentos como descrença, perda de confiança, raiva e vergonha são comuns após tais eventos (WHO, 2021). Médicos e outros profissionais de saúde devem estar atentos a esses sentimentos e buscar apoio de colegas ou de profissionais de saúde mental para evitar a negação ou a subestimação do risco (WHO, 2021).

O suicídio é uma das 10 principais causas de morte em muitos países e uma das três principais causas de morte entre jovens de 15 a 35 anos (WHO, 2021). O suicídio é agora compreendido como um transtorno multidimensional, resultado de uma interação complexa entre fatores ambientais, sociais, fisiológicos, genéticos e biológicos (Ribeiro et al., 2022).


Suicídio: Fato e Ficção

FATO FICÇÃO
A maioria das pessoas que se suicida deu algum aviso de sua intenção. Pessoas que ameaçam suicídio não se matam.
A maioria das pessoas que pensa em suicídio tem sentimentos ambivalentes. Quem quer se matar, se mata mesmo.
Suicidas frequentemente dão indicações de suas intenções. Suicídios ocorrem sem aviso.
Muitos suicídios ocorrem em períodos de aparente melhora, quando a pessoa ganha energia para agir. Melhora após a crise significa que o risco acabou.

 

Embora alguns suicídios sejam inevitáveis, a maioria pode ser prevenida. Nem todos os suicídios podem ser prevenidos.
Pensamentos suicidas podem retornar, mas não são permanentes. Uma vez suicida, sempre suicida.

Epidemiologia e Fatores de Risco

A Organização Mundial da Saúde (WHO, 2021) estima que aproximadamente 700.000 pessoas morrem por suicídio a cada ano em todo o mundo, com um número de tentativas de suicídio que pode ser até 20 vezes maior. No Brasil, as taxas de mortalidade por suicídio variaram entre 3,5 e 4,6 óbitos por 100.000 habitantes nas últimas décadas (Neury, 2004). Um estudo recente realizado em Campinas revelou uma prevalência de ideação suicida de 17,1%, com 2,8% da amostra relatando pelo menos uma tentativa anterior (Ribeiro et al., 2022).

Estudos indicam que os homens brasileiros cometem suicídio em uma proporção de 3:1 em relação às mulheres, uma tendência que se mantém em nível internacional (Bertolote & Fleischmann, 2002; WHO, 2021). No entanto, as mulheres tentam suicídio três vezes mais que os homens (Teixeira & Villar Luis, 1997).

Os fatores de risco para o suicídio são geralmente classificados em modificáveis e não modificáveis. Os fatores modificáveis, como uso de substâncias e transtornos mentais, são a base de programas de prevenção, enquanto os não modificáveis, como histórico familiar, são importantes para avaliação de risco.


Fatores de Risco para o Suicídio

  1. Fatores Demográficos
    • Idade: idosos e adolescentes
    • Gênero: masculino
    • Raça: branca
  2. Fatores Sociais
    • Estado civil: viúvo, divorciado
    • Orientação sexual: homossexuais, bissexuais
    • Desemprego e problemas financeiros
    • Isolamento social
    • Profissões específicas: médicos, dentistas, policiais
    • Problemas legais
  3. Fatores Psiquiátricos
    • Transtornos do humor
    • Abuso de substâncias
    • Transtornos de personalidade
  4. Fatores Médicos
    • HIV/AIDS, câncer, epilepsia, doenças crônicas
  5. Fatores Familiares
    • História familiar de suicídio ou doença psiquiátrica
  6. Fatores Relacionados ao Comportamento Suicida
    • Tentativas prévias, desesperança, impulsividade
  7. Internações Hospitalares e Tratamento Médico
    • Contato com tratamento psiquiátrico e histórico de internações

Mudança de Hábitos e Estilo de Vida

Pesquisas recentes mostram que mudanças no estilo de vida podem desempenhar um papel importante na prevenção do suicídio. A adoção de hábitos saudáveis, como atividade física regular, boa alimentação e sono adequado, tem demonstrado melhorar o bem-estar mental e reduzir os fatores de risco para o suicídio (American Psychological Association [APA], 2022). Além disso, a redução do uso de substâncias psicoativas, como o álcool, também pode diminuir a probabilidade de comportamentos suicidas (Ribeiro et al., 2022).

Terapias complementares, como mindfulness, têm sido cada vez mais recomendadas como práticas que auxiliam no controle da ansiedade e da impulsividade, promovendo maior clareza mental e reduzindo pensamentos suicidas (Ribeiro et al., 2022).


Papel da Terapia Ocupacional

A Terapia Ocupacional visa promover a independência e melhorar a qualidade de vida. Para pacientes em risco de suicídio, a Terapia Ocupacional pode ajudar a aumentar o engajamento em atividades significativas, oferecendo suporte no desenvolvimento de habilidades de enfrentamento e estratégias para lidar com o estresse diário (AOTA, 2022).

Por meio de estratégias que envolvem treinamento de habilidades e reabilitação cognitiva funcional, o terapeuta ocupacional auxilia o paciente a encontrar propósito nas atividades cotidianas, o que pode contribuir para a redução da ideação suicida (AOTA, 2022). Além disso, a Terapia Ocupacional desempenha um papel importante na promoção de redes de suporte social e no fortalecimento das habilidades de autocuidado e regulação emocional.


Manejo de Pacientes

Quando o paciente apresenta pensamentos suicidas, uma intervenção eficaz pode ser simplesmente oferecer um espaço para falar sobre esses sentimentos. Entretanto, deve-se garantir acompanhamento adequado e suporte social. Os sentimentos comuns de desesperança, desamparo e desespero devem ser abordados com empatia e suporte contínuo. Avaliar o risco de suicídio é crucial, considerando fatores como impulsividade e desesperança (Meleiro et al., 2004; WHO, 2021).

Em casos graves, a hospitalização pode ser indicada para garantir a segurança do paciente, especialmente se ele não colaborar ou se não houver suporte familiar (Meleiro et al., 2004). Mesmo quando a hospitalização não é necessária, é fundamental que o paciente não seja deixado desacompanhado.


Conclusão

O suicídio de um paciente é um dos eventos mais perturbadores para os profissionais de saúde, lembrando-os de suas limitações humanas e profissionais (Wang & Ramadan, 2004). Embora não seja possível prevenir todos os casos, a avaliação sistemática do risco de suicídio deve ser uma prática rotineira em todos os ambientes médicos. O aumento de fatores protetores, como redes de apoio e intervenções terapêuticas, pode ser tão importante quanto a redução dos fatores de risco na prevenção do suicídio (APA, 2022).


Referências

American Psychological Association. (2022). Suicide prevention: How changes in lifestyle and therapy can save lives. APA Journal, 47(2), 115-130.

American Occupational Therapy Association. (2022). The role of occupational therapy in suicide prevention. American Journal of Occupational Therapy, 76(1), 7601205010p1–7601205010p8.

Bertolote, J. M., & Fleischmann, A. (2002). Suicide and psychiatric diagnosis: A worldwide perspective. World Psychiatry, 1(3), 181-185.

Meleiro, A. M. A. S., & Bahls, S. (2004). O comportamento suicida. In A. M. A. S. Meleiro, S. Bahls, & C. M. S. Mello-Santos (Eds.), Suicídio: Estudos Fundamentais (pp. 45-60). Segmento Farma.

Meleiro, A. M. A. S., Scalco, A. Z., & Mello-Santos, C. (2004). Abordagem médica da tentativa de suicídio. In A. M. A


¹Aline Coraça Trevelin

Terapeuta Ocupacional. Mestre em Ciências pelo Departamento de Psiquiatria e Psicologia Médica da UNIFESP. Especialista em Dependência Química pela Universidade Federal de São Paulo. UNIFESP. Especialista em Saúde Mental pelas Faculdades Integradas Espírita. UNIBEM. Capacitação em Reabilitação Cognitiva Funcional. Membro da diretoria da Associação Brasileira de Álcool e outras Drogas, secretaria.

@alinecoraca_to

²José Cleber Feliciano Ferreira

Médico Psiquiatra. Vice-Presidente da Associação Paranaense de Psiquiatria (APPsiq)

 

 

 

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