Alcoolismo e Mulheres: Um Desafio Complexo e Silenciado
Escrito por Selene Franco Barreto
O Dia Internacional da Mulher, celebrado em 8 de março, é uma data que vai além das homenagens e flores: trata-se de um momento oportuno para ampliar o debate sobre questões que afetam diretamente a saúde e o bem-estar feminino. Entre elas, o consumo abusivo de álcool tem se tornado uma preocupação crescente. Esse fenômeno está ligado a mudanças nos papéis sociais e culturais, além das desigualdades de gênero.
Embora muitas vezes seja romantizado como um símbolo de empoderamento e liberdade, o uso de risco do álcool entre mulheres tem impactos profundos, tanto biológicos quanto sociais. O aumento da frequência e da quantidade de consumo feminino tem chamado a atenção de especialistas em saúde pública, psicologia e sociologia.
O relatório Vigitel 2023, do Ministério da Saúde, apontou um crescimento significativo no uso abusivo de álcool entre mulheres brasileiras: de 12,7% para 15,2%. Esse aumento pode estar relacionado a fatores como independência financeira, mudanças nos papéis de gênero e à normalização do consumo feminino. A publicidade e o entretenimento frequentemente associam a bebida alcoólica à independência e sofisticação, criando uma pressão para que o álcool seja usado como um símbolo de liberdade, sem considerar os riscos associados à prática.
Impactos biológicos e sociais do alcoolismo feminino
O alcoolismo feminino tem particularidades que o tornam um desafio único. Biologicamente, as mulheres metabolizam o álcool de maneira diferente dos homens, o que pode acelerar os danos a órgãos vitais, como fígado e coração. Além disso, aumenta os riscos associados à Síndrome Alcoólica Fetal (SAF) – uma condição grave que afeta os filhos de mulheres que consomem álcool durante a gravidez. A SAF é causada pela passagem do álcool da mãe para o feto através do cordão umbilical e circula pelo no sangue, o que pode resultar em danos irreversíveis ao desenvolvimento físico e mental da criança. Entre as consequências mais comuns estão malformações congênitas, déficits motores, cognitivos, problemas comportamentais atraso no desenvolvimento e performance escolar. Crianças acometidas nascem, em geral, com baixo peso e estatura, alguns com microcefalia, mesmo pequenas quantidades de álcool podem representar riscos, tornando a abstinência a única escolha segura durante a gestação.
No aspecto social, o estigma do alcoolismo feminino é mais severo do que o enfrentado pelos homens. Mulheres que bebem excessivamente são julgadas com mais rigor, sofrendo preconceitos relacionados à maternidade, sexualidade e moralidade. Esse julgamento social pode levá-las a esconder o problema e adiar a busca por ajuda, agravando as consequências físicas e emocionais.
Além disso, há uma relação preocupante entre alcoolismo e violência contra a mulher. Estudos indicam que vítimas de violência doméstica têm maior risco de desenvolver transtornos relacionados ao álcool, muitas vezes como uma forma de lidar com o trauma. Por outro lado, o consumo excessivo de álcool pode aumentar a vulnerabilidade a episódios de violência, especialmente dentro de casa.
Os reflexos na família e barreiras ao tratamento
O impacto do alcoolismo feminino também atinge as famílias. Mães que enfrentam problemas com álcool frequentemente vivenciam sentimentos intensos de culpa, por acreditarem que falham em atender às expectativas sociais da maternidade. Os filhos podem sofrer traumas, negligência e dificuldades no desenvolvimento emocional, perpetuando ciclos de vulnerabilidade. Muitas sofrem de solidão, depressão e angustias.
O acesso ao tratamento para mulheres com alcoolismo ainda enfrenta barreiras específicas. O estigma social, a relação com a violência de gênero e as responsabilidades maternas dificultam a busca por ajuda. Para que o tratamento seja eficaz, os serviços de saúde precisam integrar esses aspectos, oferecendo suporte adequado.
Prevenção e caminhos para a mudança
A prevenção do consumo abusivo de álcool exige políticas públicas direcionadas, que considerem as especificidades do público feminino. É essencial fornecer informações sobre os impactos do álcool no organismo da mulher e criar estratégias para a redução de danos, sem comprometer a vida social.
Programas que acolhem suas dores e incentivem atividades físicas, mindfulness, relaxamento e grupos de apoio podem ser ferramentas eficazes na promoção da saúde feminina. Além disso, profissionais de saúde devem ser capacitados para identificar sinais precoces de uso abusivo e intervir de maneira sensível e não moralista.
O enfrentamento do alcoolismo feminino exige um esforço coletivo. O problema não deve ser visto apenas como uma questão individual, mas como reflexo de desigualdades estruturais, estigma e pressões sociais. Intervenções eficazes precisam ser pensadas de forma holística, respeitando as necessidades específicas das mulheres e garantindo que possam buscar tratamento sem medo do julgamento.
O Dia Internacional da Mulher simboliza a luta por equidade e direitos fundamentais. O enfrentamento do alcoolismo feminino faz parte dessa luta, pois envolve questões estruturais como o acesso à saúde, o combate ao estigma e a criação de políticas públicas eficazes. Mais do que conscientizar sobre os riscos do álcool, é preciso garantir que mulheres possam buscar ajuda sem medo da condenação social. Criar espaços seguros para o debate suas dores, ajudando na sua autoestima, sua autoeficácia e a prevenção é um compromisso necessário para que todas tenham direito à saúde e ao bem-estar.
Compreender o uso, abuso e a dependência química olhando para o gênero é poder dar voz à essas mulheres que lutam todos os dias, que estão em sofrimento e que quando conseguem buscar o tratamento/reabilitação estão quebrando muitas barreiras em busca da sua Liberdade de Ser.
“Que nada nos defina. Que nada nos sujeite. Que a liberdade seja a nossa própria substância.” – Simone de Beauvoir
Referências
BRASIL. Ministério da Saúde. Vigitel. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/campanhas-da-saude/2023. Acesso em: 4 jan. 2025.
FERREIRA, Ivanir. Mulheres sofrem abusos e são estigmatizadas ao buscar tratamento para o alcoolismo. Jornal da USP, 4 abr. 2023. Disponível em: https://jornal.usp.br/ciencias/mulheres-sofrem-abusos-e-sao-estigmatizadas-ao-buscar-tratamento-para-o-alcoolismo/. Acesso em: 5 jan. 2025.
LIMA, José Mauro Braz de. Álcool e gravidez: Síndrome Alcoólica Fetal (SAF), tabaco e outras drogas. Rio de Janeiro: Medbook, 2008.
OZIMA, Leonardo; FERRAZ JUNIOR; TALAMONE, Rose. Levantamento reforça aumento do consumo abusivo de álcool entre mulheres. Jornal da USP, 10 set. 2024. Disponível em: https://jornal.usp.br/campus-ribeirao-preto/aumenta-o-consumo-abusivo-de-alcool-entre-mulheres/. Acesso em: 4 jan. 2025.

Selene Franco Barreto
Psicóloga Clínica e Consultora de Empresa, Presidente da ABEAD (2023-2025) e Editora de Livros.
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Uma resposta
Assunto de extrema relevância. Muito bem exposto pela psicóloga Selene Franco Barreto, uma referência em tratamento para as pessoas que sofrem com os problemas relacionados ao álcool e drogas.