Autor: Daniel Sptizer

Jogos digitais são uma das principais atividades de lazer para crianças, adolescentes e adultos, e estima-se que mais de 3 bilhões de pessoas em todo o mundo tenham o costume de jogar videogame. Embora seja saudável e benéfico para a grande maioria das pessoas, uma pequena parcela pode sofrer consequências negativas significativas quando o comportamento de jogo se torna excessivo.

Em 2018 a Organização Mundial de Saúde reconheceu este problema como um novo transtorno mental, incluindo o Gaming Disorder (ainda sem tradução oficial para o português) como um diagnóstico oficial na 11a edição da Classificação Internacional de Doenças (CID-11). Para que se faça esse diagnóstico é necessário que a pessoa tenha um padrão de jogo persistente ou recorrente, por pelo menos 12 meses, e que apresente obrigatoriamente TODAS as características abaixo:

1)  Perda de controle sobre o jogar (relativo ao início, frequência, intensidade, duração, término e contexto). Nesses casos, a pessoa começa a jogar antes do que tinha combinado, joga por mais tempo do que poderia ou tinha planejado, não consegue parar de jogar na hora estabelecida, acaba jogando em situações que deveria estar fazendo outras atividades, etc.

2) Aumento de prioridade dada ao jogar ao ponto de se sobrepor a outros interesses e atividades diárias. Isto é, o jogo acaba assumindo o lugar e a importância de atividades essenciais como dormir, se alimentar, estudar/trabalhar, se relacionar com familiares e amigos, etc.

3) Continuação ou mesmo aumento do jogar apesar da ocorrência de consequências negativas. Este padrão de comportamento é de intensidade suficiente para resultar em prejuízo significativo em nível pessoal, familiar, social, educacional, ocupacional ou em outras esferas da vida. A ocorrência obrigatória de prejuízo significativo decorrente do jogar é fundamental para diminuir o risco de se diagnosticar incorretamente pessoas que jogam de maneira saudável – mesmo que intensa – e que não apresentam qualquer prejuízo em função desse comportamento, uma vez que se trata da grande maioria dos jogadores.

Seguindo esse raciocínio, é importante notar que o tempo de jogo não é um critério utilizado para fazer o diagnóstico de uso problemático de games, justamente por não diferenciar os jogadores que apresentam problemas daqueles que não tem prejuízo algum decorrente desse comportamento (na prática, algumas pessoas conseguem jogar de modo seguro por 20-30h por semana, enquanto outras podem apresentar problemas com um tempo de jogo bem menor).

Pesquisas recentes apontam que a dependência de games pode ser encontrada em até 1% e 3% da população, sendo mais comum em homens do que em mulheres e em pessoas mais jovens do que em pessoas mais velhas. Além disso, se considera que metade das pessoas com dependência de games apresenta também outros problemas emocionais, como depressão, ansiedade social (timidez excessiva) e déficit de atenção. A dependência de games também está relacionada com a qualidade dos relacionamentos familiares, e muitas pesquisas apontam que relações familiares marcadas por pouco afeto e pouca proximidade entre pais e filhos estão associadas com maior risco de dependência de games. O mesmo risco também existe pelo pouco tempo de convívio entre pais e filhos.

Quando pensamos que alguém pode estar fazendo um uso excessivo/problemático de games, é importante que se assuma uma postura não julgadora e que não se tente diminuir a importância do jogar para essa pessoa, pois via de regra esta é a atividade que ele considera como a mais importante da sua vida. Conhecer as características do jogo, do personagem, das tarefas e missões que o jogador realiza pode ser útil para os pais se conectarem melhor com os seus filhos.

Quando se detecta a necessidade de tratamento, é importante que sejam entendidas as necessidades psicológicas de cada pessoa, assim como os motivos que levaram a jogar de modo problemático. Especialmente entre adolescentes e adultos jovens é muito comum que não se reconheça que está jogando de modo problemático, e isto leva a uma postura de não buscar ajuda ou não querer se envolver no processo de tratamento. Nesses casos pode ser necessário (e mais efetivo) uma abordagem terapêutica que inclua a participação de outros membros da família. Via de regra o tratamento da dependência de jogos digitais tem como objetivo o uso moderado e não necessariamente a abstinência plena (diferente do tratamento das dependências de álcool e outras drogas).

 

 

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