Por Thiago Henrique Roza

Com a evolução tecnológica dos últimos anos e o advento da internet em alta velocidade, a pornografia se tornou uma forma muito prevalente e popular de entretenimento e gratificação sexual. Com poucos cliques, de forma totalmente anônima e sem necessidade de sair de casa, qualquer pessoa tem acesso a uma quantidade quase infinita de conteúdo sexualmente explícito em todas as formas e modalidades. Ainda que a prática de consumir conteúdo pornográfico seja muito mais prevalente entre homens, este é um comportamento também frequente no sexo feminino.1,2 De acordo com um robusto estudo australiano, 84% dos homens e 54% das mulheres já tinham tido contato com material pornográfico, com 76% dos homens e 41% das mulheres reportando consumo deste tipo de conteúdo no ano anterior.3

Neste contexto, nos últimos anos, diversos pesquisadores começaram a reportar possíveis efeitos adversos associados ao uso regular de conteúdo pornográfico. Entre os desfechos negativos associados ao uso problemático de pornografia se destacam sintomas sexuais como ejaculação precoce, baixa libido e disfunção erétil, sendo que este último se associa também ao uso abusivo de medicamentos para disfunção erétil (inibidores da fosfodiesterase tipo 5, como a tadalafila e sildenafila). Muitos pacientes também reportam desfechos negativos de saúde mental, como sintomas de depressão, ansiedade, sintomas obsessivos-compulsivos, dificuldades de sono, problemas de atenção e concentração. Sintomas físicos e prejuízos nos relacionamentos também são outros pontos frequentemente reportados por pacientes que sofrem com a condição. Em casos graves, geralmente associados a disfunção erétil severa, alguns pacientes também relatam risco de suicídio.1,4 Outra fonte de sofrimento, para muitos destes pacientes, está na incongruência moral entre os valores pessoais que um determinado indivíduo tem e o hábito de consumir material sexualmente explícito.5

Em termos de tratamento, a experiência clínica sugere que todos estes desfechos negativos associados ao uso problemático de pornografia podem reverter com o tempo e a abstinência sustentada. Entre as modalidades de tratamento, se destacam a psicofarmacologia (com o uso de naltrexona principalmente, e secundariamente o uso de inibidores seletivos de recaptação da serotonina), e as técnicas psicoterápicas (principalmente terapias com uso de estratégias de TCC e ACT, que possuem maior base de evidência), que idealmente devem ser usadas em conjunto. Além disso, é essencial o estímulo à prática de atividade física regular, o planejamento de rotina (tempo ocioso representa um importante fator de recaídas), o uso de bloqueadores de conteúdo (idealmente com senha, com o objetivo de bloquear o acesso à conteúdo sexualmente explícito), e o estímulo à socialização no “mundo real”, visto que muitos destes pacientes apresentam prejuízo na esfera social. Outro ponto importante do tratamento é a terapia de casal, visto que muitos relacionamentos também apresentam importante prejuízo devido ao consumo problemático de pornografia por uma das partes da relação.1

Entretanto, é importante ressaltar que muitos dos pacientes em interrupção do hábito problemático irão experimentar sintomas de abstinência, que podem tomar a forma de sintomas de saúde mental, saúde física e até mesmo saúde sexual. Um destes sintomas, chamado popularmente como “flatline” em fóruns online de indivíduos em recuperação, pode durar meses; esta síndrome é conhecida por uma redução marcante da libido, sendo que muitos pacientes sentem o “desaparecimento” de qualquer forma de desejo sexual, o que pode ser muito assustador para os mesmos. Entretanto, com o tempo, este e todos os outros sintomas de abstinência tendem a desaparecer, de modo que o paciente que persistiu na recuperação pode retomar sua sexualidade de forma plena novamente.6

Deste modo, ainda que nem todo usuário regular de pornografia irá desenvolver um padrão problemático ou até mesmo disfunções sexuais, uma proporção bem significativa dos mesmos irá experimentar sofrimento e diversos prejuízos associados ao uso regular de pornografia. Neste sentido, é essencial que estes pacientes procurem a ajuda de um profissional habilitado, para uma adequada avaliação clínica, manejo e tratamento, o que poderá auxiliar estes indivíduos no seu processo de recuperação e retomada de uma saúde mental e sexual plena.

Referências:

  1. Roza TH, Noronha LT, Shintani AO, Massuda R, Lobato MIR, Kessler FHP, et al. Treatment Approaches for Problematic Pornography Use: A Systematic Review. Arch Sex Behav. 2024 Feb;53(2):645–72.
  2. de Alarcón R, de la Iglesia JI, Casado NM, Montejo AL. Online Porn Addiction: What We Know and What We Don’t-A Systematic Review. J Clin Med Res [Internet]. 2019 Jan 15;8(1). Available from: http://dx.doi.org/10.3390/jcm8010091
  3. Rissel C, Richters J, de Visser RO, McKee A, Yeung A, Caruana T. A Profile of Pornography Users in Australia: Findings From the Second Australian Study of Health and Relationships. J Sex Res. 2017 Feb;54(2):227–40.
  4. Fernandez DP, Kuss DJ, Griffiths MD. The Pornography “Rebooting” Experience: A Qualitative Analysis of Abstinence Journals on an Online Pornography Abstinence Forum. Arch Sex Behav. 2021 Feb;50(2):711–28.
  5. Grubbs JB, Perry SL, Wilt JA, Reid RC. Pornography Problems Due to Moral Incongruence: An Integrative Model with a Systematic Review and Meta-Analysis. Arch Sex Behav. 2019 Feb;48(2):397–415.

Thiago Henrique Roza

Médico (UFPR). Psiquiatra e Psiquiatra Forense (HCPA/UFRGS). Doutor em Psiquiatria e Ciências do Comportamento (UFRGS) e pelo programa Tripartite em Psiquiatria Translacional do Desenvolvimento (USP, UFRGS, UNIFESP). Professor Adjunto do Departamento de Psiquiatria da UFPR. Jovem Liderança Médica da Academia Nacional de Medicina.

roza.h.thiago@gmail.com

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