Por Zeneide Jacob Mendes

Lendo o texto da Universa de Amaury Mendes Junior terapeuta sexual e Lucia Rosemberg Psicoterapeuta me inspirou a fazer uma reflexão sobre o tema.

Esse combo, álcool e sexo vem sendo muito comum e quase banalizado nas noites de sexta a domingo. Algumas pessoas tornam a vida tão intensa nessa direção que já iniciam na famosa “quintou”.

Existem diversos fatores para que isso ocorra, mas o que me impressiona é que essas mesmas pessoas dizem que vivem assim porque “ninguém quer nada sério”. Já ouvi essa frase diversas vezes em minha prática clínica e isso me faz pensar que a própria pessoa que diz isso queira nada sério ou tecnicamente falando tem dificuldade com essa intimidade que vai além do corpo.

Para mim como terapeuta familiar sistêmica vejo que a questão da autoestima e falta de força de vontade é efeito colateral das dificuldades que a pessoa desenvolveu no núcleo familiar. Seja ele qual for a modalidade: família heteroafetivas, famílias homoafetivas, famílias recasadas, famílias uniparentais, orfanatos, famílias adotivas e famílias escolhidas.

Qualquer modalidade de grupo de cuidado pode construir determinados padrões de comportamento que desenvolvem atitudes de abuso de sexo e álcool. Acho que podemos falar de comportamentos compulsivos.

A dificuldade com o tema é a qualidade do sintoma.  Ambos são prazerosos.  Mesmo que imediatos – daí a repetição – levam ao prazer e descarga de tensão. Muitas pessoas usam o sexo e o álcool para descarregar tensão. Por isso para iniciarmos um tratamento precisamos pesquisar a qualidade do exercício físico que a pessoa faz. Isso é um passo que ajuda demasiadamente no tratamento. Ensinar a pessoa a pensar naquilo que é construtivo ou destrutivo pode ser um segundo passo. Sim um segundo passo pois o aspecto de certo e errado que se instala no pensamento pode ser um truque para o “eu sou mesmo assim”, “não posso viver sem sexo”. A banalização do álcool e do sexo se instala como um veludo nesse contexto.

Esse padrão de pensamento binário, isso é certo, isso é errado, estimula a superficialidade do comportamento evitando a introspecção e reflexão sobre aquilo que me faz bem e aquilo que me machuca. Ouvi recentemente uma criança de 6 anos dizer quando estava chorando porque se machucou e alguém lhe ofereceu um chocolate: “quando meu corpo se machuca não gosto de comer”. Achei essa observação muito interessante pois quantos atos compulsivos advém de machucados físicos e emocionais? A criança estava sentida e queria sentir e deixar passar. Respeitar a percepção do outro faz parte do processo de inclusão sutil das relações. O que o outro me fala, acrescenta e me faz pensar e muitas vezes mudar.  Quando foi que corrompemos essa fronteira? Uma boa pergunta a ser feita para nossos clientes.

A família tem papel preponderante em facilitar ou inibir nossas percepções. Quando facilitam ampliamos nossos horizontes de pensamentos e afetivos, quando inibem somos obrigados a repetir padrões familiares e ou “clichês” sociais “aceitos” e nesse sentido somos agenciados pelo bem e o mal. A dificuldade se ergue no agenciamento e isso nos torna mecânicos e sem alma.

Alfabetizar-se no afeto é um trabalho que só acontece se temos como referência o núcleo familiar. As crianças são alfabetizadas na medida do conhecimento de seus pais. Conhecer nosso núcleo familiar é ter parâmetro para escolhas, não se trata de se opor ou censurá-los, mas sim como falamos em terapia familiar sistêmica, se diferenciar. Como nos orienta Bowen, se diferenciar não é ser diferente, mas tomar uma distância adequada da família sem atacar, recuar ou se esconder. Não podemos escolher como vamos nos comportar se não conhecemos o quanto um padrão familiar de comportamento nos afetou na nossa família.

Para mim tratar desse binômio álcool-sexo tem que ter o viés familiar. Família como unidade emocional (Bowen), como formadora de padrões relacionais que se reeditam em nossas relações de casamento, amizades e profissionais.

Não basta tratar do comportamento é preciso ir a fonte do conjunto de normas, ações trianguladas e concatenadas que se instalam de forma condicionada em nossos hábitos do presente.

Mudar um comportamento pode ser efetivo, mas compreender a raiz do padrão garante a possibilidade de se diferenciar e exercer aquilo que acreditamos. O livre arbítrio só pode ser garantido a partir de uma ampla visão do sistema educativo primário.

Zeneide Jacob Mendes

Psicóloga, Especialista em Terapia Familiar Sistêmica, Formadora e Supervisora

 

 

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