Fechamento de uma CT em Londrina (PR) expõe a fragilidade do sistema, que deveria ser mecanismo de proteção, promoção e garantia de direitos

Assessoria ABEAD

No último dia 27 de julho, a Vigilância Sanitária e o Ministério Público de Londrina (Norte do Paraná) interditaram uma comunidade terapêutica de atendimento a pessoas dependentes de substâncias psicoativas, instalada no Município. Os motivos foram supostas irregularidades, como agressões contra os internos, cárcere privado e possível uso de medicamentos para dopar os pacientes, constatados em fiscalização. Havia 142 pessoas internadas no espaço, sendo 18 delas adolescentes, que não estavam em espaços separados dos adultos.

O problema é que foi só mais um episódio de comunidade terapêutica (CT) atuando de forma irregular. Segundo estimativas da Associação Brasileira de Estudos de Álcool e Drogas (ABEAD), há mais de cinco mil instituições do tipo em todo Brasil, já que muito do trabalho de recuperação de dependentes químicos é feito por essas instituições, porque o poder público – em todos as escalas – não tem condições de estabelecer locais de internação para aqueles que necessitam desse cuidado. As parcerias são estabelecidas com os governos municipais e algumas recebem até dinheiro público, através de convênios firmados, para atender pessoas que não teriam acesso a atendimento particular.

“O problema é que muitas CTs estão irregulares, não têm equipes multidisciplinares para o atendimento digno e a fiscalização, que deve ser feita por órgãos públicos como a Vigilância Sanitária, é ineficiente e insuficiente. Não parece estar dado conta de monitorar a quantidade de comunidades que existe,”, aponta a presidente da ABEAD, a psiquiatra Alessandra Diehl.

As comunidades terapêuticas (CT) não integram o Sistema Único de Saúde (SUS) nem o Sistema Único de Assistência Social (SUAS), mas são equipamentos da rede suplementar de atenção, recuperação e reinserção social de dependentes de substâncias psicoativas. Elas integram o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – SISNAD, por força do Decreto nº 9.761/2019 e da Lei nº 13.840/2019. “E, por isso, deveriam ser obrigadas a seguirem as normas estabelecidas. Assim não teríamos casos como este que, infelizmente, são comuns e que, muitas vezes, não chegam às mídias”, diz Alessandra Diehl. Segundo ela, há uma estimativa que, entre 2019 a 2021, 80 mil pessoas teriam sido atendidas por CTs.

O presidente da Federação Brasileira de Comunidades Terapêuticas (FEBRACT), Lucas Roncati aponta que o Censo das Comunidades Terapêuticas, realizado em 2011, mapeou em torno de duas mil instituições. A FEBRACT já credenciou 270 instituições e outras 92 CTs estão com processo de consultoria ativo e realizado nos últimos 12 meses.

“É preciso esclarecer que que a base do tratamento do dependente de substâncias psicoativas deve estar nos serviços de entrada, não hospitalares ou de acolhimento institucional, notadamente na RAPS – Rede de atenção psicossocial, serviços ambulatoriais e afins. As CTs devem atender exclusivamente aqueles que procuram o serviço voluntariamente. Outras modalidades de internação – como as involuntárias ou compulsórias – não devem ser feitas em Comunidades Terapêuticas e não podem ser reguladas dessa forma”, aponta Roncati.

Segundo ele, as CTs legalmente constituídas devem funcionar como um mecanismo de proteção, promoção e garantia de direitos. “A FEBRACT foi fundada para congregar as Comunidades Terapêuticas, capacitar seus profissionais e qualificar seus programas e contribuir para o desenvolvimento de políticas públicas que considerem e insiram as CTs. A qualificação desses serviços, a promoção da ética e da técnica, bem como o fortalecimento das boas práticas internacionais são os caminhos federação defende”, explica.

Normas

As normas gerais para funcionamento para as CT foram estabelecidas pela RDC 29/2011 em que aponta uma série de requisitos que as instituições devem garantir. Entre eles estão:

  • O cuidado com o bem-estar físico e psíquico da pessoa, proporcionando um ambiente livre de substâncias e violência;
  • A observância do direito à cidadania do residente;
  • Alimentação nutritiva, cuidados de higiene e alojamentos adequados;
  • A proibição de castigos físicos, psíquicos ou morais;
  • A manutenção de tratamento de saúde do residente;
  • Garantia de registro, no mínimo três vezes por semana, das avaliações e cuidados dispensados às pessoas em tratamento na ficha individual/prontuário constando as seguintes informações: identificação e anamnese do residente, evolução, atendimentos realizados no serviço de saúde mental de referência. Devem ser guardados resultados de exames laboratoriais e outros auxiliares, registro de resumo de alta, registro de sinais vitais, intercorrências etc.
  • Nos estabelecimentos não poderá ocorrer estoque de medicamentos sendo o Responsável Técnico responsável pelos medicamentos em uso pelos residentes (guarda de administração);
  • Em caso de medicamentos que necessitem de refrigeração, devem ser acondicionados em recipientes plásticos com tampa, devidamente identificados, evitando a contaminação cruzada por alimentos.

Para o presidente da FEBRACT, a pessoa que procura uma CT, para si ou para um parente, deve ficar atenta a todas essas normas. “Além disso, deve observar também se há ausência de equipe técnica, os espaços que os usuários estão, se são impedidos de se desligar do atendimento, em regras muito restritivas e na impossibilidade de comunicação. São indicativos muito fortes de irregularidades”, diz.

De modo geral, o trabalho das CTs legalmente constituídas tem ajudado muito na recuperação dos adictos. A FEBRACT mapeou, no Gerenciamento das CTs inseridas no financiamento público estadual em São Paulo, entre 2013 e 2022, diversos indicadores sobre o processo de acolhimento e cuidado, alcançando números significativos como:

  • 100% de avaliação médica prévia ao acolhimento, na rede pública de saúde;
  • 100% de inserção no CAD único – referenciamento no SUAS;
  • 70% dos usuários que realizaram atividades em outros serviços, fora da CT, durante o período de acolhimento;
  • Números variando entre 30% e 50% de desligamento qualificado – de usuários que concluíram seu processo de acolhimento na Comunidade Terapêutica, alcançando uma condição de moradia e autossustento.

Congresso ABEAD

O XXVII Congresso da ABEAD, que acontece em São Paulo, de 3 a 6 de setembro, trará para discussão as políticas públicas de atendimento aos Transtornos Relacionados ao Uso de Substâncias e Transtornos Aditivos e Comportamentais. No segundo do dia, está marcado II ENCONTRO DE CONSELHEIROS E COMUNIDADES TERAPÊUTICAS que vão discutir os “Caminhos de Cuidado para a Recuperação: Uma Visão para o Futuro das Comunidades Terapêuticas”, com vários painéis e profissionais palestrantes, discutindo a qualidade do atendimento, as políticas públicas, tratamentos inclusivos e atendimento familiar, entre outros assuntos pertinentes.

Veja todas as informações sobre o evento e programação completa no site da ABEAD https://abead.com.br/congresso2023/

SOBRE A ABEAD 

 Atualmente, com sede em Porto Alegre, RS, a Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (ABEAD) reúne psiquiatras, assistentes sociais, enfermeiros, psicólogos, advogados, líderes comunitários, conselheiros, professores, entre outros profissionais, que trabalham com Transtornos por uso de substâncias e dependências comportamentais no Brasil e no exterior.

Criada oficialmente em 1989, a preocupação dos profissionais da área da saúde em relação ao álcool surgiu no final dos anos 1970, em São Paulo, como um grupo interdisciplinar. Já no início da década de 1980 realizou o primeiro encontro nacional e, em seguida, ampliou o foco de estudos para outras drogas e as dependências comportamentais. Hoje a ABEAD é referência na discussão e implementação de  políticas de prevenção e tratamento do uso de drogas no Brasil e na América Latina. O Congresso, maior evento da associação, é realizado a cada dois anos.

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