Por Hermano Tavares

Sempre que não aprendemos com a história, corremos o risco de repeti-la, quase com um namoro ruim que alguém insiste em reatar, nosso país revisita seu relacionamento desde sempre problemático com o jogo de azar, agora turbinada pelas apostas online. Agora quem quiser apostar não precisa se deslocar a um local de jogo, basta pegar o celular no bolso. A nova lei que regulamenta esta atividade está incompleta e a monitoração deixa muito a desejar.  Hoje temos inúmeros sites que promovem jogos digitais voltados para menores de idade com links para cassinos online. Não custa lembrar que apostas são proibidas para menores de 18 anos idade por um bom motivo, o cérebro imaturo juvenil é particularmente vulnerável a formadores de hábito como jogos de azar.

Mais preocupante ainda porque é um fenômeno bem conhecido que quando aumenta o acesso às apostas, aumenta em até quatro vezes a demanda por tratamento para o Transtorno do Jogo, popularmente conhecido como jogo compulsivo ou o “vício em apostas”. Foi assim com os bingos até sua proibição em 2004 e agora o fenômeno se repete com as apostas online. De 2019 para cá, desde a legalização das apostas online, o perfil do indivíduo que busca tratamento também mudou, tornando-se mais jovem e mais masculino, sendo que os apostadores em eventos esportivos, uma categoria quase inexistente até 2018, agora representa dois terços dos indivíduos que procuram tratamento.

Mas não adianta chorar sobre o leite derramado, agora que já saímos na chuva, pior até mergulhamos de cabeça mesmo e estamos “molhados” até o último fio de cabelo, porque a Lei 14.790/23 foi sancionada e é preciso melhorá-la. A regulamentação precisa estabelecer que apostas online só podem ser feitas mediante cadastro do CPF dos apostadores, para permitir a prevenção de fraudes, lavagem de dinheiro, identificação de padrões de apostas compulsivas e impedimento das apostas por menores de idade. Apostadores problemáticos deveriam receber alertas, juntamente com ofertas de avaliação e tratamento. O SUS precisa ser capacitado para lidar com a epidemia de casos de transtorno do jogo que já está se instalando e finalmente uma comissão interdisciplinar precisa verificar os jogos disponibilizados, estabelecendo um veto efetivo a práticas predatórias de estímulo às apostas reiteradas e à perda de controle. Apesar dos pesares, se digitalização permite uma acessibilidade maior dos jogos, o espaço online permite uma monitoração quase perfeita do comportamento de apostadores, favorecendo a prevenção e a detecção precoce do Transtorno do Jogo.

Hermano Tavares

Professor Associado
Departamento de Psiquiatria
Faculdade de Medicina – USP

Associado ABEAD.

 

 

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