Por Alessandra Diehl
Prevalência
O transtorno por jogo (TJ) é um problema complexo de saúde mental causado por um amplo espectro de diferentes fatores de risco biológicos, psicológicos e sociais que afeta entre 0,1% e 2,7% adultos da população geral. Entre os fatores de risco para desenvolver/manter um transtorno de jogo estão: ser jovem solteiro do sexo masculino, ou casado há menos de 5 anos, viver sozinho, ter uma educação deficiente e ter dificuldades financeiras.
Sintomatologia
Caracteriza-se por preocupações frequentes com jogos de azar, jogos de azar com maiores quantias de dinheiro para receber o mesmo nível de experiência desejada (tolerância), esforços repetidos e infrutíferos para controlar ou parar de jogar, inquietação ou irritabilidade ao tentar parar de jogar (abstinência) e interferência do jogo nas principais áreas do funcionamento da vida. Além disso, podem estar presentes também o jogar para escapar de um estado disfórico, o jogar para recuperar perdas recentes relacionadas com o jogo (perseguição de perdas), a mentira em relacionamentos significativos sobre o jogo e a dependência de terceiros para financiar o jogo.
Comorbidades
O transtorno por jogos também ocorre frequentemente com várias condições psiquiátricas, incluindo controle de impulsos, humor, ansiedade e transtornos de personalidade. Em geral, os transtornos de humor e de ansiedade precedem os problemas de jogo, que podem se manifestar como um mecanismo de enfrentamento desadaptativo. Tratar a comorbidade é essencial no manejo do transtorno por jogos de azar.
Tratamento psicossocial
As opções de tratamento para o transtorno do jogo precisam ser amplas, flexíveis, acessíveis e economicamente justificadas, proporcionando inclusão precoce, retenção e sustentabilidade dos efeitos a longo prazo do tratamento, ou seja, abstinência e maior qualidade do funcionamento psicossocial. Uma robusta literatura científica tem mostrado que os protocolos terapêuticos mais bem-sucedidos são as intervenções psicológicas, especialmente baseadas em métodos cognitivo-comportamentais e/ou entrevistas motivacionais. Outras intervenções com resultados promissores incluem diferentes intervenções de mútua-ajuda e atenção plena. Intervenções como terapia de casal e grupos de apoio podem ter efeitos positivos em termos de aumento da adesão e retenção terapêutica, enquanto a farmacoterapia é especialmente útil em pacientes com comorbidades.
Farmacoterapia
Nenhum medicamento recebeu aprovação regulatória como tratamento para o Transtorno por jogo até o momento.
A soma geral das evidências na literatura sobre o uso da farmacoterapia no TJ é conflitante e inconclusiva. Alguns estudos têm demonstrado que o papel da farmacoterapia na DG é promissor, principalmente quando a escolha do agente é orientada por transtornos psiquiátricos comórbidos. No entanto, existem limitações significativas nos desenhos do estudo, que precisam ser abordadas em pesquisas futuras sobre o tema. A realização de ensaios futuros e mais rigorosos que abordem as limitações da literatura existente é necessária para estabelecer dados de eficácia mais precisos sobre o uso da farmacoterapia nesta população.
Revisão recente de Farkouh et al., (2023) identificou 1.925 artigos e após triagem e remoção de duplicatas, 18 artigos foram incluídos na revisão (11 estudos eram revisões sistemáticas e metanálises, 6 eram revisões e 1 era um estudo aberto). Oito agentes farmacológicos (naltrexona, nalmefeno, paroxetina, fluvoxamina, citalopram, escitalopram, lítio e topiramato) que foram estudados em ensaios clínicos randomizados e ensaios abertos mostraram tamanhos de efeito pequenos a moderados na redução dos sintomas de TJ em alguns estudos durante post-hoc análises.
Naltrexona: No entanto, atualmente, os medicamentos com maior apoio empírico são os antagonistas dos receptores opióides (por exemplo, naltrexona, nalmefeno). Esses medicamentos têm sido usados no manejo clínico de pacientes dependentes de drogas (particularmente opiáceos) e de álcool há vários anos e nas últimas décadas têm sido avaliados para o tratamento dos transtornos por jogos de azar e outros comportamentais aditivos. A dosagem da medicação pode ser uma consideração importante para alcançar a melhoria. Doses altas (100–200mg/dia)
ISRS: embora os inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRS) tenham sido um dos primeiros medicamentos usados para tratar o transtorno por jogo, ensaios clínicos controlados que avaliaram os ISRS demonstraram resultados mistos para dependências comportamentais e de substâncias. Fluvoxamina e a paroxetina foram relatadas como superiores ao placebo em vários ensaios, mas não em outros. A eficácia pode diferir entre tipos de comportamentos aditivos. Os tratamentos com ISRS continuam sendo uma área ativa de investigação, e mais pesquisas são necessárias para avaliar o potencial quadro clínico da utilização de ISRS para os transtornos por jogos.
Agentes glutamatérgicos: mostraram-se promissores em pequenos ensaios controlados. A N-acetilcisteína demonstrou eficácia preliminar tanto como agente independente quanto em conjunto com tratamento comportamental. O topiramato, no entanto, não mostrou quaisquer diferenças em relação ao placebo no tratamento de transtornos por jogos. Além disso, os resultados destes e da maioria dos outros ensaios de farmacoterapia sobre dependências comportamentais são limitados devido ao pequeno tamanho das amostras dos ensaios e à duração do tratamento de curto prazo.
Referências
Davor Bodor, Neven Ricijaš, Igor Filipčić . Treatment of gambling disorder: review of evidence-based aspects for best practice. Curr Opin Psychiatry. 2021 Sep 1;34(5):508-513. doi: 10.1097/YCO.0000000000000728
Mirjam Wolfschlag, Anders Håkansson . Drug-Induced Gambling Disorder: Epidemiology, Neurobiology, and Management. Pharmaceut Med . 2023 Jan;37(1):37-52. doi: 10.1007/s40290-022-00453-9. Epub 2023 Jan 7
Rezkalla Farkouh, Sophie Audette-Chapdelaine, Magaly Brodeur.Pharmacotherapy and gambling disorder: a narrative review. J Addict Dis. 2023 Jul 9:1-15. doi: 10.1080/10550887.2023.2229725. Online ahead of print.
Alessandra Diehl
Psiquiatra, mestre e doutora pela UNIFESP, pós doutora pela USP de Ribeirão Preto. Especialização em dependência química e sexualidade humana. Membro do Conselho Consultivo da ABEAD