Por Alessandra Diehl

Em 2004, uma síndrome peculiar de vômitos associada ao consumo crônico de maconha apareceu na literatura com a curiosa qualificação histórica de que os sintomas pareciam ser aliviados com duchas ou banhos quentes. Esta síndrome passou então a ser conhecida como síndrome de hiperêmese canabinoide (SHC). Com o uso crescente de maconha entre todas as faixas etárias, especialmente para fins recreativos entre adolescentes é importante reconhecer os fatores de risco e a apresentação desse fenômeno tanto na emergência quanto na atenção primária e secundária.

Desde 2009, a taxa de vômitos persistentes aumentou significativamente nos registros médicos dos Estados Unidos da América e continua a aumentar cerca de 8% ao ano. Casos de SHC foram relatados em todo o mundo. Isto sugere que esta condição antes “rara” irá emergir como uma apresentação cada vez mais comum nos departamentos de emergência e clínicas. A SHC não é trivial; há casos fatais de SHC (como causa de morte ou contribuição para a morte) relatados na literatura.

Trata-se de uma condição paradoxal na qual um usuário de maconha de longa data sofre com episódios de vômitos intratáveis que pode durar dias separados por períodos assintomáticos mais longos de semanas ou meses. Os canabinóides são frequentemente utilizados pelas suas propriedades antieméticas, pelo que a síndrome de hiperêmese canabinoide pode ser uma condição intrigante e o diagnóstico pode ser contestado pelos pacientes. Ao contrário de outras síndromes de vômito cíclico, a síndrome de hiperêmese canabinoide pode ser aliviada com banhos quentes ou capsaicina tópica. A abstinência de canabinoides faz com que a síndrome de hiperêmese canabinoide se resolva, às vezes em questão de dias ou horas.

Os usuários de maconha, bem como muitos médicos, não têm conhecimento da síndrome de hiperêmese canabinoide, e os pacientes podem ser submetidos a testes, exames e outros procedimentos desnecessários para obter um diagnóstico preciso. Os sintomas podem ser graves o suficiente para exigir hospitalização. O diagnóstico diferencial de cólicas abdominais acompanhadas de náuseas e vômitos é extremamente amplo. Exige uma história detalhada para desvendar ainda mais uma etiologia, bem como tratamentos direcionados. Além das causas infecciosas e neurológicas desses sintomas, é importante lembrar as possíveis causas oriundas de substâncias psicoativas como a maconha responsáveis pelos quadros clínicos de cólicas abdominais, náuseas e vômitos.

A SHC geralmente não é aliviada pela terapia farmacológica antiemética, mas muitos pacientes exibem o comportamento aprendido de tomar duchas e banhos quentes para alívio sintomático temporário. Em alguns casos, haloperidol intravenoso ou lorazepam (para ansiedade) podem proporcionar alívio ao paciente. As diretrizes de tratamento publicadas pela Comissão de Supervisão de Medicina de Emergência de San Diego recomendam cuidados de suporte (reidratação), educação do paciente e aconselhamento para interromper o uso da maconha. A capsaicina tópica pode ser usada para proporcionar alívio sintomático, mas os sintomas geralmente desaparecem em um ou dois dias sem o uso da maconha, independentemente do tratamento. Os benzodiazepínicos e os opióides, embora às vezes prescritos, têm eficácia muito limitada para esta condição.

A educação do paciente é uma parte importante do tratamento, pois muitos pacientes com SHC permanecem não convencidos de que a maconha causa hiperêmese, porque na cultura popular (e mesmo entre os profissionais de saúde) suas propriedades antieméticas são muito mais conhecidas do que a SHC. Além disso, existe uma crença popular geral de que a maconha é “natural” e não estaria associada a efeitos adversos graves. Os pacientes podem ser resistentes à noção de que os seus sintomas estão relacionados com o consumo de cannabis. A SHC não é bem conhecida, mesmo entre os profissionais médicos, o que agrava a descrença que alguns pacientes sentem ao saber que a maconha pode ter efeitos colaterais.

Referências

Al-Shammari M, Herrera K, Liu X, et al. Effects of the 2009 Medical Cannabinoid Legalization Policy on Hospital Use for Cannabinoid Dependency and Persistent Vomiting. Clinical gastroenterology and hepatology: the official clinical practice journal of the American Gastroenterological Association. 2017;15((12)):1876–1881

Pergolizzi Jr JV, LeQuang JA, Bisney JF. Cannabinoid Hyperemesis. Med Cannabis Cannabinoids. 2018 Nov 15;1(2):73-95.  doi: 10.1159/000494992. eCollection 2019 Jan.

Alessandra Diehl

Psiquiatra, mestre e doutora pela UNIFESP, pós doutora pela USP de Ribeirão Preto. Especialização em dependência química e sexualidade humana. Membro do Conselho Consultivo da ABEAD

@dra.alessandradiehl

 

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