Por Dr. Felipe Ornell

Imagine uma moda que, embora pareça inofensiva, carrega consigo um perigo silencioso para a saúde mental. Os cigarros eletrônicos emergem como uma nova expressão dessa tendência, reacendendo debates sobre os riscos à saúde que a indústria do tabaco pode trazer.

O tabagismo, reconhecido como uma fábrica de enfermidades, está associado a uma miríade de problemas de saúde, desde câncer e doenças cardíacas até diabetes e condições pulmonares crônicas. A indústria do tabaco, famosa por associar o ato de fumar ao glamour e estilo de vida invejável, foi desafiada por avanços científicos e políticas restritivas. No entanto, a indústria, longe de desistir, se reinventou, usando as novas mídias para normalizar o ato de fumar. Os cigarros eletrônicos, talvez a maior expressão desse movimento, estão no epicentro de uma nova onda de preocupação. Neste cenário, a ciência avançou, revelando provas incontestáveis dos danos causados pelo tabaco, o que levou a políticas de combate e restrições publicitárias. A pergunta que permanece é: os cigarros eletrônicos representam uma evolução ou uma nova ameaça à saúde mental?

Explore conosco os bastidores dessa tendência, desvendando os mitos e verdades que circundam o universo dos cigarros eletrônicos. Fique conosco para uma análise profunda sobre como a indústria do tabaco se adapta, reinventa e, potencialmente, coloca em risco a saúde mental de milhões.

Desvendando os Cigarros Eletrônicos – Afinal o que eles são?

Os cigarros eletrônicos, também conhecidos como vapes, e-cigarros ou e-cigarettes, representam uma tendência aparentemente moderna, mas por trás dessa fachada contemporânea, esconde-se uma complexidade perigosa. Esses dispositivos movidos a bateria utilizam vaporização para inalar um aerossol, comumente contendo nicotina, aromatizantes e uma variedade de produtos químicos, incluindo tetraidrocanabinol (THC), óleos de haxixe, anfetaminas e canabinoides sintéticos. O diferencial está na ausência de combustão, o que significa que a “fumaça” inalada é, na verdade, vapor d’água, eliminando o característico odor dos cigarros convencionais.

A comercialização desses dispositivos sugere que são uma alternativa “mais natural” e “menos prejudicial” à saúde do que os cigarros tradicionais. Contudo, é nesse ponto que a verdadeira complexidade e, potencialmente, o perigo emergem. A Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas (ABEAD) já definiu de maneira precisa: os cigarros eletrônicos representam “novos disfarces para velhos interesses” de uma indústria que busca constantemente reinvenção para atrair o público jovem, enquanto fatura milhões.

Componentes Principais

A maioria dos cigarros eletrônicos contem quatro componentes:

  • Cartucho/Reservatório/Cápsula: Contém uma solução líquida variável de nicotina, aromatizantes e outros produtos químicos.
  • Elemento de Aquecimento (Atomizador): Ativado por mudanças de pressão durante a inalação ou pressionando um botão no dispositivo.
  • Fonte de Energia (Bateria): Geralmente uma bateria recarregável.
  • Bocal: Utilizado para inalar/ingerir o aerossol resultante da vaporização.

Ativação e Vaporização: Quando o elemento de aquecimento é ativado, seja por inalação ou por um botão, o e-líquido é vaporizado usando uma bobina de aquecimento, transformando-o em um aerossol que é inalado ou ingerido.

Aparência Variada:

Os cigarros eletrônicos vêm em diversos formatos, desde imitações de cigarros tradicionais até dispositivos que se assemelham a canetas ou pen drives. Apesar das aparências distintas, eles compartilham uma funcionalidade básica e componentes similares.

Origem e Evolução:

Inicialmente comercializados como uma alternativa “mais segura” ao tabaco, os cigarros eletrônicos foram promovidos como desprovidos de alcatrão e monóxido de carbono, componentes presentes nos cigarros convencionais. Apesar disso, sua evolução levanta preocupações sobre exposição a toxinas e carcinógenos, além de serem dispositivos potencialmente viciantes, principalmente devido à presença de nicotina.

Uso na Cessação do Tabagismo:

Não há evidências conclusivas sobre a eficácia dos cigarros eletrônicos na cessação do tabagismo. Não são aprovados por órgãos regulatórios como FDA nos EUA e ANVISA no Brasil, e métodos comprovadamente seguros para parar de fumar existem e são recomendados.

Riscos Associados:

Embora possam ser considerados menos prejudiciais que os cigarros tradicionais, os cigarros eletrônicos não estão isentos de riscos. Apesar de ser uma prática relativamente recente, dados já sugerem associação com diversos desfechos negativos à saúde. Além disso, há preocupações levantadas por pesquisadores e entidades de saúde de que representam uma artimanha da indústria do tabaco para minimizar a percepção de risco e atrair populações jovens.

Principais Fatos sobre o Uso dos Cigarros Eletrônicos

  • Nicotina e Prazer: A nicotina nos cigarros eletrônicos estimula a liberação de adrenalina e aumenta os níveis de dopamina no cérebro, proporcionando prazer e motivando o uso repetido, apesar dos riscos à saúde.
  • Desconhecimento sobre Nicotina: Muitas pessoas não percebem que os cartuchos de vaporização contêm nicotina, presumindo erroneamente que são apenas aromatizantes.
  • Aromatizantes e Percepção de Risco: A presença de aromatizantes e a ausência do cheiro de tabaco tornam a experiência mais palatável, diminuindo a percepção de risco.
  • Falta de Transparência nos Rótulos: Alguns rótulos não divulgam a presença de nicotina, e análises revelaram que produtos rotulados como “0% de nicotina” realmente a contêm.
  • Alta Concentração de Nicotina: A quantidade de nicotina pode ser até 20 vezes maior do que a encontrada em um cigarro tradicional, equivalente a um maço de cigarros.
  • Composição Adicional: Além da nicotina, os dispositivos podem conter substâncias como maconha, canabinóides sintéticos, anfetaminas, aromatizantes e outros produtos químicos.
  • Substâncias Cancerígenas e Tóxicas: Estudos revelaram a presença de substâncias cancerígenas e tóxicas no vapor, incluindo nanopartículas metálicas potencialmente prejudiciais.
  • Formaldeído e Ação Cancerígena: O aquecimento do solvente com nicotina em temperaturas superiores a 150ºC pode liberar dez vezes mais formaldeído do que um cigarro convencional, substância comprovadamente cancerígena.
  • Atração para Jovens: O fácil acesso, anúncios atrativos, diversos sabores e a crença na segurança dos cigarros eletrônicos tornaram-nos atrativos para adolescentes, adultos jovens e crianças.
  • Crescimento do Uso: Desde sua introdução em 2006 nos EUA, o uso de cigarros eletrônicos aumentou constantemente, tornando-se a forma mais comum de nicotina entre os jovens.
  • Discrição e Esconderijo: Sua falta de odor e designs camuflados, como pen drives, facilitam o uso discreto e a ocultação dos dispositivos dos pais e professores.
  • Porta de Entrada para Outras Substâncias: O uso de cigarros eletrônicos pode servir como introdução a outros produtos de nicotina, como cigarros convencionais, conhecidos por causar doenças e morte prematura.
  • Riscos à Saúde: Os cigarros eletrônicos apresentam riscos à saúde, incluindo dependência, doenças respiratórias, cardiovasculares e câncer.
  • Lesão Pulmonar e Mortalidade: Relatos de lesões pulmonares e mortes associadas ao uso de cigarros eletrônicos alertam para perigos imediatos e de longo prazo.
  • Ineficácia na Cessação: Não há evidências científicas que respaldem o uso de cigarros eletrônicos para parar de fumar, e métodos comprovadamente seguros são recomendados.

EVALI: Doença Pulmonar Associada ao Uso de Cigarros Eletrônicos e Vaping

A EVALI (E-cigarette or Vaping product use-Associated Lung Injury) é uma condição de saúde alarmante relacionada ao uso de cigarros eletrônicos e vaping, inicialmente identificada em 2019. Os sintomas, por vezes difíceis de distinguir de outras doenças respiratórias, incluem falta de ar, febre, tosse, náusea, vômito, dor abdominal, diarreia, tontura, palpitações, dor no peito e fadiga intensa. A manifestação desses sintomas pode ocorrer em alguns dias ou se estender ao longo de várias semanas após o uso.

O diagnóstico preciso da EVALI é desafiador devido à semelhança de seus sintomas com condições como pneumonia ou gripe. O tratamento, por sua vez, envolve a administração de oxigênio e a utilização de medicamentos, como corticoides, antibióticos ou antivirais, dependendo da gravidade da condição. A identificação precoce e o tratamento adequado são cruciais para enfrentar essa preocupante consequência do uso de cigarros eletrônicos, destacando a urgência em compreender e abordar os riscos associados ao vaping.

Conclusão: Repensando o Uso de Cigarros Eletrônicos

O desaconselhamento do uso de cigarros eletrônicos por diversas entidades de saúde, incluindo a Associação Médica Brasileira e a Associação Brasileira de Pesquisas sobre o Álcool e outras Drogas, reflete a preocupação com os crescentes riscos associados a esses dispositivos.

No Brasil, medidas restritivas, como a proibição de importação, propaganda e venda de cigarros eletrônicos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), foram implementadas para conter o avanço desse fenômeno. Contudo, a realidade mostra que o uso desses dispositivos continua a aumentar, especialmente entre adolescentes

A influência significativa de influenciadores digitais na promoção desses dispositivos destaca a necessidade de uma abordagem mais abrangente na educação sobre os riscos envolvidos. Além disso, a compreensão de que o tabagismo muitas vezes serve como uma forma de lidar com a ansiedade e o estresse aponta para a importância de abordar problemas emocionais subjacentes frequentemente negligenciados.

O ato de fumar vai além do simples hábito; é um comportamento complexo aprendido e mantido por situações específicas e emoções. A presença da nicotina, com suas propriedades psicoativas, desempenha um papel duplo ao proporcionar prazer e, simultaneamente, alimentar a dependência. Portanto, é crucial adotar uma abordagem holística para lidar com o uso de cigarros eletrônicos, reconhecendo não apenas os riscos físicos, mas também os aspectos emocionais subjacentes que contribuem para esse comportamento.

Referências

NIDA. Vaping Devices (Electronic Cigarettes) DrugFacts (2020) Retrieved from https://www.drugabuse.gov/publications/drugfacts/vaping-devices-electronic-cigarettes on 2021

Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC). Quick Facts on the Risks of E-cigarettes for Kids, Teens, and Young Adults (2020) https://www.cdc.gov/tobacco/basic_information/e-cigarettes/Quick-Facts-on-the-Risks-of-E-cigarettes-for-Kids-Teens-and-Young-Adults.html

Oriakhi M. Vaping: An Emerging Health Hazard (2020) Cureus12(3), e7421. https://doi.org/10.7759/cureus.7421

INCA. Dispositivos eletrônicos para fumar (2019)https://www.inca.gov.br/campanhas/tabagismo/2019/dispositivos-eletronicos-para-fumar

World Health Organization (WHO). Tobacco: E-cigarettes (2021) https://www.who.int/news-room/questions-and-answers/item/tobacco-e-cigarettes

Gigliotti, A.  Carneiro, E. Presman, S. Os perigos escondidos nos cigarros eletrônicos. Veja Rio (2021) https://vejario.abril.com.br/blog/manual-de-sobrevivencia-no-seculo-21/perigos-cigarros-eletronicos/

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