Raul Caetano, MD, PhD, Prevention Research Center, Berkeley, California

Recentemente, em abril do corrente ano, a Dra. Nora Volkov, diretora do Instituto Nacional de Abuso de Drogas dos Estados Unidos (EUA), foi entrevistada por um repórter do New York Times sobre mudanças no uso de drogas entre adolescentes americanos.

No artigo, a Dra. Volkov descreve resultados de um estudo epidemiológico da população americana de adolescentes que mostra uma queda no uso de drogas ilegais.

O estudo mencionado é o bem conhecido Monitoring the Future(MTF) que, desde 1975, entrevista amostras de estudantes do primeiro grau americano (8º, 10º, e 12º séries) e de jovens que terminaram estudos secundários, investigando uso de drogas legais e ilegais. As amostras entrevistadas são grandes e representativas da população estudada.

Em 2023, a amostra foi de 22.318 estudantes. Esta foi uma das menores amostras, desde 1991, em virtude da epidemia de COVID. Em anos anteriores (ex., desde 1991) as amostras variaram entre aproximadamente 41.000 e 51.000 estudantes.

A mais importante notícia sobre os resultados foi que a porcentagem de adolescentes que beberam nos 12 meses anteriores à entrevista caiu de 88% em 1979 para 46% em 2023. A porcentagem daqueles que fumaram cigarros na vida caiu de 76% para 15%, e a porcentagem daqueles que usaram drogas ilícitas nos últimos 12 meses caiu de 37% em 2017 para 29% em 2023. Estas são boas notícias, ainda que algumas considerações sobre os dados merecem ser mencionadas.

Dados sobre “vaping” mostram uma trajetória diferente. Estes dados estão sendo coletados desde 2015, com alunos de 8º, 9º, e 10º graus da escola. A prevalência de qualquer tipo de “vaping” na vida subiu de 20% em 2015 a 29,1% em 2022. Dados de 2017 a 2022 mostram que “vaping” cannabis na vida subiu de 8,5% a 17,6%, e “vaping” nicotina na vida subiu de18,9” a 27,7%.

Outras considerações são apresentadas a seguir. Primeiro, o MTF é um estudo de jovens em escolas. Os jovens que abandonaram as escolas e que talvez tenham um consumo maior de drogas legais ou ilegais do que aqueles que continuam estudando não fazem parte da amostra. Nos Estados Unidos, porém, a percentagem de adolescentes que não estão em escolas é pequena, e provavelmente não alteraria os resultados de grande forma. Segundo, como em todos os estudos que colhem informações diretamente dos entrevistados, é possível que o uso de drogas legais e ilegais não seja informado de forma acurada. Em geral, acredita-se o uso é minimizado consciente ou inconscientemente.

A Dra. Volkov acredita que os maiores fatores explicando esta queda no uso de drogas por adolescentes americanos são “a educação e as campanhas de prevenção”. Ela também menciona outros fatores, como a lei que só permite consumo e venda de bebidas alcoólicas à população com 21 anos de idade ou mais, e a campanha de prevenção de uso de tabaco que teve muito sucesso nos Estados Unidos. Ela diz também que o uso de mídias sociais e o uso de vídeo games podem ser outros fatores a serem considerados. Estas atividades poderiam levar a um maior isolamento social dos adolescentes, o que poderia levar a uma diminuição nas oportunidades e incentivos para uso de drogas.

Examinar estas explicações criticamente é importante porque todas elas são especulativas. Por exemplo, a falha de intervenções preventivas, baseadas em educação para criar mudanças de comportamento pessoal no campo do álcool é bem conhecida. Educação sobre os efeitos do álcool não tem efeitos no uso de álcool dos adolescentes. O mesmo acontece no campo das drogas ilícitas. No campo do álcool, as campanhas mais efetivas desenvolvem e implementam políticas de controle de bebidas alcóolicas na comunidade (por exemplo, regulamentação de horas de abertura e fechamento de bares e restaurantes, taxação de bebidas alcóolicas, aplicação de idade mínima para beber). Obviamente, estas medidas não se aplicam à prevenção do uso de drogas ilegais, pois elas se devem basear muito mais em repressão à produção, tráfego, e distribuição de drogas ilegais.

Nos Estados Unidos, desde 2012, 24 estados, mais a capital federal (Washington, DC) e o território de Guam, legalizaram o uso recreativo de cannabis para aqueles com 21 anos de idade ou mais. A cannabis é agora uma exceção, já que a legalização do uso recreativo criou um mercado legal de plantio e venda, com produção de comestíveis e outros produtos. Esta corrente do plantio à venda ao consumidor está sendo controlada pelos estados que legalizaram a cannabis, com uma série de regulamentos, como acontece com as bebidas alcoólicas.

Finalmente, é bom lembrar que há muitos outros fatores conhecidos e talvez desconhecidos que podem mudar o comportamento de grupos populacionais e levar a uma diminuição ou um aumento no uso de drogas.

Essas mudanças de comportamento podem aparecer e desaparecer, sem que se encontre uma razão baseada em evidências cientificas.

Por exemplo, o consumo de álcool per capita oficial nos Estados Unidos começou a ser estimado em 1934, 2 anos após o fim da Proibição.  O consumo per capita subiu de 3.67 litros de etanol per capita na população de 14 anos e mais em 1934 a 22.6 galões em 1981, quase que ininterruptamente.  Deste ponto em diante e até 1998, o consumo per capita caiu para 8.13 litros, subindo novamente a 9.57 galões per capita em 2021.  Em 2022, o último ano para o qual temos dados publicados, o consumo per capita foi de 9.46 litros de etanol per capita.

Podem-se associar estas mudanças a eventos populacionais, fatores tais como epidemias, crises econômicas, conflitos sociais e militares, mas estas são associações sem confirmação por evidência cientifica.

Infelizmente, como mencionado pela Dra. Volkov na entrevista, outros problemas sérios ocorrendo com os adolescentes americanos continuam inalterados, como, por exemplo, as mortes por fentanil. Nos EUA estas mortes aumentaram entre 2016 e 2021 de 57/1000.000 a 216/1000.000 de pessoas.

Raul Caetano, MD, PhD, Prevention Research Center, Berkeley, California.

Associado e Membro do Conselho Consultivo da ABEAD.

 

Leave a Reply